Vulcão Ativo

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

COPEL - PRIVATIZAÇÃO, UMA GERAÇÃO PERFEITA EM FASE TERMINAL, MORIBUNDA


Privatização

A piora dos serviços da Copel faz parte de uma estratégia

Empresa privatizada demitiu e piorou as condições de trabalho de seus funcionários

21.out.2025 às 09h56
 Curitiba (PR)
 Leandro Grassmann

A piora dos serviços da Copel faz parte de uma estratégia

Em 2016, quando a Copel ainda era majoritariamente estatal e os terceirizados representavam 40% da força de trabalho, a empresa foi considerada a melhor distribuidora da América Latina. - Foto: Ascom Copel


Por Leandro Grassmann*

No mundo corporativo contemporâneo, é quase um mantra que “as pessoas são o nosso maior ativo”. Empresas investem pesado em políticas de gestão, códigos de conduta e pacotes de benefícios atrativos para reforçar essa imagem. A Copel, uma das maiores companhias de energia do Brasil, é um exemplo desse discurso. Seus documentos oficiais, como a Política de Gestão de Pessoas (NPC 0401), declaram que “os empregados são os recursos mais valiosos” e que as relações de trabalho são pautadas pela “ética, respeito às pessoas, dedicação, transparência, segurança e saúde” [1].

Anúncios de vagas reforçam essa narrativa, prometendo um “pacote de benefícios acima do mercado”, que inclui desde vale-alimentação e plano de saúde extensivo à família até participação nos lucros e programas de bem-estar [2]. Contudo, uma análise mais aprofundada da realidade da empresa revela um paradoxo desconcertante, onde a prática parece divergir drasticamente do discurso.

O contraste nos bastidores

Enquanto a empresa projeta uma imagem de valorização, os sindicatos que representam seus trabalhadores mostram um quadro oposto. Desde que Daniel Slaviero assumiu a presidência da Copel em 2019, a companhia adotou explicitamente o que chamou de “Mindset privado“, focado na maximização de lucros e minimização de despesas.

Em novembro de 2023, ao apresentar o plano estratégico pós-privatização aos investidores, Slaviero foi claro: a prioridade seria “fazer a lição de casa saneando custos”, com meta de economizar mais de R$ 500 milhões em três anos, sendo que a maior parte viria da otimização de despesas com pessoal [3]. Na negociação do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) 2025/2026, a proposta da Copel foi classificada como um “insulto” pelas entidades sindicais. A oferta consistia em corrigir salários e alguns benefícios apenas pela inflação (INPC), sem ganho real, apesar de a empresa ter registrado um crescimento de 20% em seu resultado desde que a atual diretoria assumiu. Além disso, a companhia propôs a retirada do auxílio-alimentação das garantias do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), uma manobra que poderia permitir a tributação do benefício. [3b]

Essa estratégia de redução de custos com pessoal se traduziu em números concretos. Em 2010, a Copel tinha 8.907 empregados próprios. Em 2021, esse número caiu para 6.538, uma redução de 30%. No mesmo período, os trabalhadores terceirizados saltaram de 5.225 para 8.420, um aumento de 61%. Com o Programa de Demissão Voluntária (PDV) implementado em agosto de 2024, que desligou 1.078 funcionários, os terceirizados passaram a representar aproximadamente 65% da força de trabalho da empresa [4].

Essa tensão nas negociações é apenas a ponta do iceberg. Um levantamento em portais jurídicos assusta: a Copel Distribuição S.A. figura em mais de 117.000 processos judiciais, enquanto a holding, Companhia Paranaense de Energia, é mencionada em mais de 32.000 ações em diversas instâncias, incluindo o Tribunal Superior do Trabalho (TST) [5].

Esses números ganham uma dimensão humana quando associados a reportagens que denunciam a crescente precarização do trabalho. Um artigo do Brasil de Fato, de junho de 2025, relata a contratação de trabalhadores sem qualificação técnica para funções de alto risco, o que teria levado a acidentes graves e até fatais. A mesma reportagem aponta uma queda vertiginosa na qualidade dos serviços, com a Copel despencando da lista das 10 melhores distribuidoras do país para a 29ª posição entre 31 empresas avaliadas pela ANEEL [6].

A correlação entre a política de corte de pessoal próprio, o aumento da terceirização e a deterioração dos serviços não é mera coincidência. Em 2016, quando a Copel ainda era majoritariamente estatal e os terceirizados representavam 40% da força de trabalho, a empresa foi considerada a melhor distribuidora da América Latina. Após a adoção do “Mindset privado” em 2019 e a privatização em 2023, com terceirizados ultrapassando os empregados próprios, a qualidade despencou [7].

Valorização Seletiva: A disparidade salarial

Se o discurso de valorização de pessoas parece vazio para os empregados, ele certamente não se aplica à alta cúpula. Desde a privatização em 2023, a remuneração da diretoria da Copel saltou 429%. O orçamento destinado aos executivos, conselheiros e comitês passou de R$ 11,3 milhões em 2023 para R$ 60,1 milhões em 2024. O presidente Daniel Slaviero, que recebia R$ 72 mil mensais, pode agora embolsar até R$ 382 mil por mês, um aumento de 430%. Os demais diretores podem receber até R$ 324 mil mensais, incluindo salário, bônus e ações [11].

A justificativa oficial? Segundo a empresa, os valores anteriores estavam “desalinhados em relação às tendências do mercado” e não eram “adequados aos desafios da Companhia na gestão do seu capital humano, que demanda sólidas estratégias de incentivos, atração e retenção de talentos de alto desempenho”.

Enquanto isso, aos empregados que permaneceram após o PDV, a empresa oferece apenas reajuste pela inflação (INPC), sem ganho real, e propõe eliminar o abono, restringir horas extras, acabar com o adiantamento do 13º salário e congelar benefícios como auxílio-alimentação e auxílio-educação [12]. Como já observei em 2022: “Quanto menos se paga aos empregados, mais a Diretoria ganha. Quanto mais lucro proveniente da redução de custos com funcionários, mais a Diretoria ganha.”

Vale ressaltar que, segundo o DIEESE, 89,2% das negociações coletivas no Brasil em 2024 resultaram em ganhos acima da inflação. A proposta da Copel vai na contramão do mercado de trabalho nacional, mesmo com a empresa tendo registrado lucro líquido de R$ 1 bilhão no primeiro semestre de 2024 e distribuindo R$ 632 milhões em proventos aos acionistas [13].

Uma Liderança Questionável

Nesse cenário conturbado, a Copel anunciou em setembro de 2024 a contratação de Márcia Baena como nova Vice-Presidente de Gente e Gestão. Com mais de 25 anos de suposta experiência, sua missão seria, ironicamente, zelar pelo capital humano da companhia. No entanto, seu histórico profissional levanta questionamentos.

Baena liderou o RH da Zamp (operadora do Burger King no Brasil) por 12 anos e, anteriormente, foi Coordenadora de Gente na América Latina Logística (ALL). Ambas as empresas acumulam um passivo trabalhista notório. Durante sua gestão na ALL, a companhia foi condenada a pagar R$ 15 milhões por dano moral coletivo relacionado a trabalho análogo à escravidão [8]. Já o Burger King, sob sua gestão de pessoas, enfrentou escândalos de condições precárias, assédio moral e uma avalanche de processos trabalhistas, com a Zamp respondendo a mais de 23.000 ações [9, 10].

O discurso e a prática

A contradição é flagrante. Como uma empresa que se diz comprometida com o “bem-estar integral dos empregados” pode oferecer reajustes abaixo da sua própria lucratividade e enfrentar um volume tão expressivo de litígios? Como a contratação de uma executiva vinda de empresas com históricos tão problemáticos de gestão de pessoas se alinha a um discurso de valorização e respeito?

Não é de hoje que venho alertando que há muita coisa errada na Copel. Há muito tempo venho relatando as discrepâncias existentes entre a alta gestão e o “chão de fábrica”. Desde que Daniel Slaviero foi indicado para presidir a empresa, lá no começo de 2019, suas atitudes foram pautadas pelo afastamento do corpo diretivo da base da empresa, valorização excessiva dos gestores, pagamento de dividendos altíssimos aos acionistas. Tudo isso amplamente documentado e justificado em políticas e pareceres de assessorias contratadas a peso de ouro.

Na outra ponta, pressão. Além de sobrecarga de trabalho, falta de reconhecimento, há adoecimento dos empregados.

Não há como segurar essa realidade por muito tempo. Ou todos tem tratamento adequado ou o discurso vazio acaba aparecendo e a empresa padece. É questão de tempo!

O caso da Copel serve como um lembrete crítico para o mercado: a verdadeira cultura de uma organização não é definida por seus documentos e campanhas de marketing, mas por suas ações cotidianas, sua postura nas mesas de negociação e seus registros nos tribunais. O discurso é importante, mas a prática é soberana.

_________

Fontes:

[1] Copel. NPC 0401 – Política de Gestão de Pessoas. 16 de março de 2022.

[2] Click Petróleo e Gás. Trabalhe na Copel de segunda a sexta, com ótimo salário + Vale alimentação…. 30 de janeiro de 2025.

[3] InfoMoney. Copel promete fazer “lição de casa” a tempo de melhora de preços no médio prazo. 25 de novembro de 2023.

[3b] Senge-PR. Copel apresenta proposta de ACT insuficiente para os trabalhadores. 08 de outubro de 2025.

[4] Brasil de Fato. Copel, empresa de energia do Paraná, contesta ranking da Aneel após queda. 14 de abril de 2025.

[5] Jusbrasil. Consulta de processos por nome. Acessado em 17 de outubro de 2025.

[6] Brasil de Fato. Copel: trabalhadores sofrem com falta de segurança e consumidores acumulam prejuízos. 02 de junho de 2025.

[7] Brasil de Fato. Copel, empresa de energia do Paraná, contesta ranking da Aneel após queda. 14 de abril de 2025.

[8] MPT-PR. ALL América Latina Logística é condenada em 15 milhões por trabalho escravo. Acessado em 17 de outubro de 2025.

[9] TST. Rede de fast food é condenada por mandar empregado alterar validade de produtos vencidos. 21 de março de 2024.

[10] UOL Economia. Abusos como o do Burger King são frequentes, diz secretário do Trabalho. 19 de maio de 2023.

[11] Sindelpar. Remuneração de diretores da Copel salta 429% desde a privatização. 14 de abril de 2025.

[12] Brasil de Fato. Copel apresenta proposta de acordo coletivo que retira direitos dos trabalhadores. 18 de outubro de 2024.

[13] Brasil de Fato. Copel apresenta proposta de acordo coletivo que retira direitos dos trabalhadores. 18 de outubro de 2024.

* Leandro Grassmann é engenheiro eletricista,  presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR) e Conselheiro Federal Suplente da Câmara de Energia Elétrica da Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Editado por: Ana Carolina Caldas

|

Newsletter




    Editorial BdFPonto

    Li e concordo com os termos de uso e política de privacidade

    • Quem Somos
    • Publicidade
    • Contato
    • Política de Privacidade

    Todos os conteúdos de produção exclusiva e de autoria editorial do Brasil de Fato podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que se deem os devidos créditos.

    • Apoie
    • TV BDF
    • Regionais
    • Rádio Brasil De Fato
    • Política
    • Internacional
    • Direitos
    • Bem Viver
    • Opinião
    • DOC BDF
    • Brasil
    • Cidades
    • Economia
    • Editorial
    • Educação
    • Entrevistas
    • Especial
    • Esportes
    • Geral
    • Saúde
    • Segurança Pública
    • Socioambiental
    • Transporte
    • Correspondentes
    • English

    Todos os conteúdos de produção exclusiva e de autoria editorial do Brasil de Fato podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que se deem os devidos créditos.

    Vulcão Ativo - Vilson às 03:29 Nenhum comentário:
    Compartilhar
    ‹
    ›
    Página inicial
    Ver versão para a web

    Quem sou eu

    Vulcão Ativo - Vilson
    Estudante do 4º. ano Teologia
    Ver meu perfil completo
    Tecnologia do Blogger.