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terça-feira, 30 de abril de 2013
quinta-feira, 25 de abril de 2013
Criminosos bancados pelo Estado
O assassinato do estudante paulista não foi uma fatalidade — trata-se de uma política pública do Estado brasileiro, como provam os matricídios, parricídios, latrocínios e estupros praticados por menores pelo País afora
José
Maria e Silva
A imprensa brasileira está morta. A
exemplo dos partidos políticos, ela se tornou refém dos grupos de pressão e não
consegue pensar os fatos com a própria cabeça. O jornalismo sempre almejou o
papel de consciência viva da sociedade, mas hoje não passa de boneco de
ventríloquo dos intelectuais universitários. É o que se percebe na discussão
sobre a redução da maioridade penal, suscitada pelo assassinato do estudante
paulistano Vitor Hugo Deppman, durante um assalto na porta do prédio onde
morava. Ele foi morto por um menor que completou 18 anos três dias depois de
ter praticado o crime. Além disso, o assassino agiu com extrema crueldade, alvejando
a cabeça do jovem depois que ele já havia entregue o celular. As imagens foram
captadas por uma câmara de rua, o que contribuiu para a comoção nacional.
Imagem mostra o momento em que menor mata o estudante Vitor Deppman após este entregar-lhe o celular: assassino fez 18 anos três dias depois do crime |
Mas a reação dos defensores do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não tardou. Mal o corpo de Vitor
Hugo Deppman baixou à sepultura, eles saíram a campo para barrar qualquer
proposta de redução da maioridade penal ou de alteração no ECA, com o apoio do
PT e do governo federal. A imprensa ouve esses dois lados e, fingindo cumprir o
seu papel, busca a opinião dos especialistas das universidades, que ela imagina
neutros. E aí reside o problema: eles não são neutros. A ciência no Brasil
frequentemente está a serviço do crime.
Os acadêmicos dizem que não se pode
discutir a redução da maioridade penal com base na comoção suscitada por um
crime envolvendo menor. É como se um caso como o de Vitor Hugo Deppman fosse
único ou raro. Como a grande imprensa parece incapaz de enxergar o Brasil que
existe para além do eixo Rio-São Paulo, fica parecendo que os defensores do ECA
têm razão e que o assassinato do estudante paulista não é representativo da
criminalidade bárbara praticada cotidianamente por menores de idade. Até a
revista “Veja”, em sua versão digital, que produziu uma das melhores matérias
sobre o assunto, só conseguiu citar cinco crimes praticados por menores num
largo espaço de 16 anos: dois do Rio de Janeiro (o guitarrista do Detonautas,
em 2006, e o menino João Hélio, em 2007), dois de São Paulo (o casal Liana
Friedenbach e Felipe Caffé, em 2003, e o próprio Vitor Hugo, em 2013) e um do
Distrito Federal (o índio Galdino, em 1997).
Fica parecendo que os crimes
hediondos praticados por menores são de fato casos isolados (como alegam os
acadêmicos) e não justificam a redução da maioridade penal. Mas se a grande imprensa
cumprisse o seu papel e olhasse para o Brasil como um todo, ela nem
precisaria recuar no tempo para encontrar outros monstros mirins até muito
piores do que o assassino do estudante paulista. Cotidianamente, pelo Brasil
afora, os menores matam. Diuturnamente, pelo Brasil afora, os menores estupram.
Recorrentemente, pelo Brasil afora, os menores roubam, assaltam, espancam,
traficam drogas. Somente nos primeiros meses deste ano, pelo menos 40
assassinatos – alguns com extrema crueldade – foram cometidos por menores em
todo o país, o que dá uma média de mais de dez homicídios praticados por
menores a cada mês. Esse levantamento foi feito por mim mesmo, varando sozinho
as madrugadas em busca das notícias policiais da imprensa regional no país.
Há casos bárbaros, que se fossem mostrados nacionalmente, revelariam, com toda
nitidez, a face hedionda do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Estraçalhando namorada e filha
Em João Pessoa, no dia 29 de março
deste ano, apenas 11 dias antes do latrocínio que vitimou o estudante paulista,
um menor de 15 anos convidou a ex-namorada de 14 anos para irem a Cabedelo,
cidade com 57.944 habitantes, conurbada à capital paraibana. O que parecia um
passeio de adolescentes, tentando reatar o namoro interrompido um mês antes,
terminou de forma trágica. No meio da conversa, o menor puxou a faca que
trazia escondida e desferiu 30 golpes na menina. Em seguida jogou o corpo
estraçalhado num riacho próximo. Ao ser preso, alguns dias depois, ele relatou
friamente como matou a ex-namorada e contou ter tomado banho de mar para limpar
o sangue do corpo. Mas essa não foi a primeira violência praticada pelo
menor. O relacionamento havia terminado porque a menina era constantemente
agredida por ele, motivo da última separação. E o que é mais estarrecedor: a
menina de apenas 14 anos chegou a ficar grávida do menor de 15 anos, que a
espancou durante a gravidez e ela perdeu o bebê. O Estatuto da Criança e do
Adolescente, que jamais serviu para protegê-la, será a garantia de
impunidade do seu algoz.
Em Conquista, cidade do Triângulo
Mineiro com 6.526 habitantes, na madrugada de 23 de março (17 dias antes da
morte do estudante paulista), um menor de 14 anos invadiu o quartel da PM, com
a intenção de roubar um fuzil. Acabou conseguindo uma pistola, com a qual
resolveu roubar um carro estacionado num quintal. Já estava amanhecendo e a
porta da casa estava aberta. O adolescente deu um tiro para o alto e, com o
barulho, uma idosa de 71 anos se assustou e saiu para ver o que era.
O menor deu um tiro na cabeça da idosa
e ela morreu na hora. Ao ouvir os gritos da mãe, sua filha, de 51 anos, também
saiu à porta. Levou dois tiros e morreu mais tarde no hospital. Então, o menor
entrou na casa, pegou a chave do carro e fugiu para a cidade vizinha de
Sacramento. Acabou sendo preso no mesmo dia e contou à polícia que seu objetivo
era voltar com o carro roubado para Franca, no interior de São Paulo, onde
reside sua família. Com apenas 14 anos, o frio assassino das duas mulheres, mãe
e filha, tinha 13 passagens pela polícia.
Em 18 de janeiro deste ano, na
cidade goiana de Santa Rita do Araguaia (com 6.924 habitantes), um menor de 13
anos matou a própria mãe, de 38 anos, com uma pedrada na cabeça. O crime
aconteceu na estação rodoviária da cidade, quando a mãe tentava levá-lo para
uma clínica de recuperação de entorpecentes em Jataí. O menor não queria ser
internado e, para escapar da mãe, cometeu o crime, valendo-se de uma grande
pedra, num momento de distração de seus familiares. A mulher ainda chegou com
vida ao Hospital Municipal de Alto Araguaia, mas não resistiu aos ferimentos.
Seu corpo foi encaminhado para Rio Verde, onde foi sepultado. Ela não morava na
cidade e tinha ido a Santa Rita apenas para buscar o filho para ser tratado.
Mas o menor preferia ficar na cidade, morando com o pai, que também é viciado
em drogas. Antes de matar a mãe com uma pedrada, o menor tentou esfaquear uma
tia. As matérias que pesquisei, não contextualizam a vida da mãe, mas é
provável que ela tivesse outros filhos, agora, órfãos e desamparados, enquanto
o menor assassino já está sob a proteção total do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Trucidando a mãe e a irmã
A cidade de Ourilândia do Norte, no
interior do Pará, com 27.359 habitantes, foi abalada por um crime bárbaro no
dia 18 de janeiro deste ano. Uma empresária de 35 anos foi morta em sua própria
casa com nove facadas. O assassinato foi perpetrado por seu próprio filho de 16
anos, que pagou um comparsa de 18 anos para ajudá-lo. A frieza do assassino é
patente nos mínimos detalhes do crime. Era uma sexta-feira, final de mais um
dia comum de trabalho, e ele trouxe a mãe para casa na garupa da moto. O
cúmplice já estava escondido no quintal. A mãe, que jamais suspeitaria da
trama, foi tomar banho. O menor abriu a porta para o comparsa e esperou que a
mãe saísse do banheiro. Quando ela entrou na lavanderia da casa, eles a
agarraram. O comparsa segurou a vítima e o menor desferiu as nove facadas em
sua própria mãe. Detalhe: a mulher estava grávida de sete meses – era uma
menina. Depois de cometer o duplo assassinato da mãe e da irmãzinha, o menor
tomou banho, perfumou-se, pegou o celular da vítima mais R$ 500 e se foi.
Acabou preso numa churrascaria de uma cidade vizinha, quando almoçava com a
namorada no horário do velório de sua mãe.
Na noite de 11 de fevereiro deste
ano, uma menina foi encontrada morta próximo de um açude na cidade piauiense de
Demerval Lobão, com 13.278 habitantes. A criança estava nua e tinha várias
marcas de violência, inclusive um braço quebrado. A perícia médica constatou
que ela tinha sido estuprada e morreu por asfixia. Uma semana depois,
valendo-se de depoimentos de testemunhas, roupas sujas de sangue e exame de
DNA, a polícia descobriu quem foi o estuprador e assassino da menina: foi o seu
próprio meio-irmão, um menor de 17 anos, que alegou estado de embriaguez na
hora em que cometeu o crime. Já na cidade mineira de São Francisco, com 53.828
habitantes, a vítima foi um menino de 10 anos. Ele foi violentado por um menor
de 15 anos, seu amigo e vizinho, às margens do Rio São Francisco. Além de
violentar o menino, com a ajuda de um comparsa, o menor afogou a criança no
rio. À polícia, o menor alegou que queria roubar a bicicleta da criança, mas,
para os policiais, a principal motivação do menor foi mesmo a prática de
violência sexual.
Em Porto Velho, capital de
Rondônia, na madrugada de 7 de abril, um menor de 16 anos matou um agricultor
de 44 anos a golpes de faca e terçado. Eles estavam bebendo juntos, quando se
desentenderam. O agricultor xingou a mãe do rapaz e foi atacado. O menor deu
uma entrevista a uma emissora de TV local e disse que não estava arrependido.
Até se vangloriou dos cortes que fez no peito, no pescoço e na cabeça da vítima
e confirmou a história de que havia comido parte do cérebro do morto, conforme
disseram testemunhas. Segundo esses depoimentos, ele foi encontrado com a boca
cheia e suja de sangue e, depois de mastigar o cérebro da vítima, disse que
achou gostoso e queria mais. Pode ser que a história do cérebro comido com
muito gosto não passe de uma lenda disseminada pelo sensacionalismo da crônica
policial e que o menor a tenha confirmado para parecer mais valente do que é.
De qualquer modo, os estragos que fez na vítima revelam uma fúria incompatível
com os meros três anos de internação socioeducativa, com chances de sair antes
para as ruas, uma vez que a avaliação do menor acontece a cada seis meses.
Mundo banhado em sangue
Em Parnaíba, um das principais
cidades do Piauí, com 145.705 habitantes, um menor de 15 anos matou um
adolescente de 17 anos no dia 25 de fevereiro deste ano. Ele foi preso,
confessou o crime, mas foi liberado em seguida. Menos de uma semana depois,
voltou a matar de novo. Envolveu-se numa briga e esfaqueou um rapaz no pescoço
e no peito. Na delegacia, o menor exibia nas costas uma tatuagem imensa de
Chuck, o Brinquedo Assassino, personagem de filme de terror, com a faca
ensanguentada do boneco destacando-se nas suas costas. Também na cidade cearense
de Ipu, com 40.296 habitantes, ocorreu um crime brutal entre adolescentes. Um
menor de 16 anos invadiu uma casa para vingar a morte de sua mãe, ocorrida um
ano antes, mas o filho da mulher que ele queria matar, um menor de 17 anos, foi
mais rápido: matou o outro menor com 36 facadas. A irmã do menor assassino, de
15 anos, colaborou no crime. E o menor que morreu tinha passagem pela polícia
por furto, assalto e tráfico de drogas. Como se vê, um mundo banhado em sangue,
que o ECA acha possível recuperar com discurso.
Em São Joaquim de Bicas, cidade com
25.537 habitantes na região metropolitana de Belo Horizonte, um menor de 17
anos matou a pauladas o próprio avô de 73 anos, no dia 10 de março, um mês
antes da morte do estudante paulista. O menor era traficante de drogas e,
segundo testemunhas, desde os 6 anos de idade estava envolvido em brigas. Já na
cidade de Jaboticatubas (com 17.134 habitantes), também na região metropolitana
de Belo Horizonte, a vítima de um menor infrator não foi o avô, mas o próprio
pai. No dia 10 de abril, pai e filho começaram a discutir, porque o menor de 15
anos não queria levar o irmão de 8 anos à escola, conforme o pai havia mandado.
Então o menor, que tinha passagem pela polícia por porte de drogas, desferiu
uma facada no peito do pai e o matou. A criança de 8 anos, apavorada, correu
sozinha até a delegacia, que não ficava muito longe de sua casa, para avisar
que o pai e o irmão estavam discutindo. Mas quando a polícia chegou, o pai do
menor já estava morto no quintal da casa. O menor fugiu, mas acabou capturado
pela polícia.
Na cidade paulista de Pinhalzinho,
com 13.105 habitantes, um casal de comerciantes, idosos, ambos com 75 anos, foi
morto no dia 12 de abril, três dias após o assassinato do estagiário da Rede
TV. O assassino é um menor de 17 anos, usuário de drogas, com várias passagens
pela polícia. Ele matou os idosos para roubar. Desferiu facadas no peito e no
pescoço das vítimas e roubou R$ 1.300, que usou para comprar drogas, roupas e
outros objetos pessoais. Aliás, um expressivo porcentual dos latrocínios e
homicídios praticados por menores tem como principal motivação arrecadar
dinheiro para sustentar o vício de drogas. E grande parte das vítimas desse
tipo de crime são os próprios parentes ou vizinhos dos menores assassinos. E é
só o começo. Na medida em que o Estado brasileiro for aumentando o número de
leitos destinados ao tratamento de drogados, mais esse tipo de crime vai
crescer. A medicina não cura drogado: ela cria bombas humanas, ao transformar o
viciado num duplo dependente químico – das drogas e das medicações, misturadas
indiscriminadamente no seu organismo.
O fim dos menores de rua
Mas isso é assunto que exige artigo
à parte. O objetivo deste foi mostrar que o assassinato do estudante Vitor Hugo
Deppman está longe de ser uma fatalidade. Na verdade, o latrocínio, o homicídio
e o estupro praticado por menores é uma política pública oficial do Estado
brasileiro – implantada no País pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a
lei mais hedionda da história contemporânea do País. E essa lei perversa – que
trata a vida humana como entulho no caminho dos menores criminosos – será
complementada pelo Estatuto da Juventude, também previsto na malfadada
Constituição de 88 e já em fase de aprovação final no Senado. Observem que só
elenquei aqui os homicídios e latrocínios praticados por menores nos primeiros
meses deste ano – somente 2013, ressalte-se. Nessa breve pesquisa, deparei com
crimes ainda mais bárbaros perpetrados por menores em anos anteriores, a
maioria sem nenhuma menção na grande imprensa, mas fiz questão de deixá-los de
fora para provar que estão matando é nesse momento. O assassinato de Vitor Hugo
Deppman não é um caso isolado.
A criminalidade juvenil é ainda mais
abrangente. O problema é que contabilizar também os furtos, roubos, assaltos,
tráfico de drogas e estupros sem morte praticados por menores é uma tarefa
impossível para uma pessoa só – as cifras, sem dúvida, ultrapassam a casa do
milhar a cada mês. Mas esse trabalho precisava ser feito por alguma
instituição. Afinal, todo menor que assalta e trafica drogas é um potencial
homicida. Infelizmente, as ONGs que trabalham com a questão do menor não são
confiáveis. As universidades muito menos. E a maioria dos operadores do direito
– juízes, promotores, advogados, defensores públicos – professam uma fé
esquizofrênica na capacidade do ECA de operar milagres. Contrariando os fatos,
o bom senso e própria moral (uma vez que se trata de uma mentira deslavada),
toda essa gente chega a repetir que o índice de reincidência dos menores é
inferior ao índice de reincidência dos adultos. É como se a esmagadora maioria
dos criminosos adultos não viesse de um passado de delinquência juvenil, o que
mostra que esses menores homicidas e estupradores de hoje não vão se recuperar
jamais – vão é se aprofundar na crueldade.
Ao impedir que maioridade penal
seja debatida em igualdade de condições entre os que são favoráveis à sua
redução e os que são contrários, o governo federal – com o apoio das
universidades e da maioria dos operadores do direito – está levando a nação
brasileira para o inexorável caminho do suicídio. Notem que no Brasil já não
existem mais os menores de rua. Esse que já foi, aparentemente, o maior
problema nacional, simplesmente desapareceu da pauta dos debates. E por que
isso ocorreu? Por que o problema foi solucionado? Não. Definitivamente, não. É
que os menores de rua de ontem, graças ao Estatuto da Criança e do Adolescente,
transformaram-se nos adultos de rua de hoje, quase todos drogados – uma
tragédia humana de dimensões bíblicas, criada pelos engenheiros sociais das
universidades e transformada em política pública pelo governo federal. Já os
menores infratores, que antes eram menores de rua, viraram criminosos de casa.
Hoje, um adolescente de 12, de 14 anos, entra no tráfico, bate ponto toda
semana na delegacia de polícia e no conselho tutelar, mas continua morando com
a família e frequentando a escola. Como nem seus pais nem seus professores
podem repreendê-lo, muito menos a polícia pode prendê-lo, ele não tem motivo
algum para fugir de casa e ir morar na rua. Pode continuar roubando e
traficando e voltando para casa sempre, como se o crime fosse um trabalho. Com
isso, o menor criminoso destrói a família, complementando o papel dos maiores
de rua, que inviabilizam a cidade.
Fonte:
Jornal
Opção
Via: Julio Severo
terça-feira, 16 de abril de 2013
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Jornalista do Paraná que denunciou corrupção se exila após sofrer ameaças
Mauri König trabalha na 'Gazeta do Povo' e precisou sair do Brasil dias antes do Natal.
Exilado por questões de segurança pessoal desde os últimos dias de 2012, o jornalista paranaense Mauri König, 46 anos, enfrenta uma situação que não chega a ser nova em sua vida profissional de reportagens investigativas. Mas que espanta a sociedade democrática e deixa indignados os defensores da liberdade de expressão. Dias antes do Natal, o repórter recebeu ameaças de que ele e sua família seriam metralhados.
Houve três ligações telefônicas para a sede da “Gazeta do Povo” e da RPC TV, em Curitiba, em 17 de dezembro. Foi no mesmo dia em que o jornal publicou reportagem de Mauri sobre promoções de delegados que havia investigado e denunciado por uso indevido de veículos oficiais para fins pessoais.
Em maio do ano passado, o jornalista assinou a série de reportagens “Polícia Fora da Lei”. O trabalho revelou que agentes usavam viaturas da corporação para visitas a casas de prostituição em horário de expediente, por exemplo. Na ocasião, também recebeu ameaças. O trabalho foi finalista do Prêmio Esso Regional Sul de 2012.
No ano 2000, Mauri já havia sido vítima da truculência de quem é desmascarado por seu trabalho: ele foi espancado no Paraguai, quando investigava o recrutamento ilegal de adolescentes para o serviço militar daquele país.
Na noite de sexta-feira, Mauri conversou com o Grupo RBS usando seu telefone celular com número de Curitiba. Com um tom de voz que aparentava serenidade, ele contou sua história, garantiu que as ameaças não o silenciarão e confessou o desejo de retornar logo ao Brasil para continuar seu trabalho. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
“Não vou ceder a ameaças”
Grupo RBS – Como foram as ameaças que você recebeu antes do Natal?
Mauri König – No início da tarde do dia 17, quando publicamos uma suíte da série “Polícia Fora da Lei”, recebemos três ligações. A primeira delas foi atendida por um repórter da RPC TV. Um homem que se identificou como policial disse que cinco policiais militares do Rio de Janeiro teriam sido contratados para metralhar a minha casa. Em seguida, a mesma ou outra pessoa ligou na “Gazeta do Povo”. A ligação era direcionada à diretora da redação, mas ela não atendeu. Nessa ligação, disseram que os policiais contratados já estariam em Curitiba, com o objetivo de me matar e matar também um policial que teria sido meu informante. A terceira ligação foi recebida pela secretária da vice-presidência da “Gazeta”. Aí fizeram ameaças gerais, não de morte, mas dizendo que se o jornal continuasse publicando as matérias, eles vazariam alguma informação que desagradaria à diretoria.
Grupo RBS –O que aconteceu logo depois?
Mauri – O jornal imediatamente contratou quatro seguranças e naquele dia já passei a dormir, com minha mulher e meu filho de três anos, em diferentes hotéis de Curitiba. No sábado seguinte, deixei o País, com apoio da “Gazeta”, do CPJ (Committee to Protect Journalists), sediado nos EUA, e do Instituto Prensa y Sociedad, do Peru. A Abraji, da qual sou diretor, também está me dando um apoio incondicional. Mas eu continuo fora do País, por tempo indeterminado.
Grupo RBS – Você sabe de quem são as ameaças?
Mauri – Sei, mas não tenho como provar. Tenho certeza de que são policiais civis. Em maio, quando fui ameaçado, eles me chamaram de inimigo número 1 da Polícia Civil, num blog assinado por policiais. Pelo linguajar, dá para saber que são eles que escrevem.
Grupo RBS – O que você espera das autoridades agora?
Mauri – Espero que o Ministério Público e a Polícia Civil do Paraná consigam enxergar os autores dessas ameaças. Não sou eu apenas que estou em risco. É a sociedade brasileira, que tem direito à informação e direito de saber como a corrupção afeta seus direitos elementares. Se a Polícia Civil não levar adiante as investigações, teremos para sempre esse risco de ameaça sob nossas cabeças. Se não forem encontradas, essas pessoas se sentirão autorizadas a continuar a fazer ameaças. Em maio, o governo do Estado foi condescendente quando não levou adiante as investigações. É corresponsável pelas ameaças que sofremos agora.
Grupo RBS – Você se sente seguro em sua atividade?
Mauri – Eu acho que o jornalista está tão vulnerável quanto qualquer outro profissional. A diferença é que se expõe a mais riscos, dependendo do tipo de cobertura que faz. Cobrir segurança pública é delicado, porque é quando se lida com a banda podre da polícia, de um lado, e com os marginais, de outro. Caminhamos sempre numa linha tênue e podemos nos tornar o alvo.
Grupo RBS – As ameaças fazem você repensar seu trabalho?
Mauri – Não podemos ceder às ameaças. Se cedermos, os agressores vão notar que venceram e se sentirão autorizados a repetir. Talvez precise encontrar apenas uma maneira alternativa de fazer essa cobertura. Ceder, jamais.
Grupo RBS – Por que você decidiu trabalhar fazendo reportagens investigativas?
Mauri – Minha convicção é de que a função do jornalismo é interferir na realidade, naquilo que ele entende de mais injusto, tornando público os fatos para que a intervenção seja feita. O jornalismo tem essa premissa e não apenas nos casos de polícia ou corrupção. Fazemos isso quando tornamos pública uma informação que parece banal, mas que é de utilidade para que as pessoas reorganizem seu cotidiano e melhorem suas práticas.
Grupo RBS – Quando voltar ao País, o que pretende fazer do ponto de vista profissional?
Mauri – Eu vou continuar. Depois que você percebe que o jornalismo de profundidade dá resultado, incomoda a parte denunciada e faz diferença na vida das pessoas, não consegue mais fazer outra coisa. Esse é o meu caminho, quero esgotar os assuntos. E não tenho como abrir mão dessa estrada trilhada há tanto tempo. Não vou ceder a ameaças.
Instituto Brasil Verdade
Exilado por questões de segurança pessoal desde os últimos dias de 2012, o jornalista paranaense Mauri König, 46 anos, enfrenta uma situação que não chega a ser nova em sua vida profissional de reportagens investigativas. Mas que espanta a sociedade democrática e deixa indignados os defensores da liberdade de expressão. Dias antes do Natal, o repórter recebeu ameaças de que ele e sua família seriam metralhados.
Houve três ligações telefônicas para a sede da “Gazeta do Povo” e da RPC TV, em Curitiba, em 17 de dezembro. Foi no mesmo dia em que o jornal publicou reportagem de Mauri sobre promoções de delegados que havia investigado e denunciado por uso indevido de veículos oficiais para fins pessoais.
Em maio do ano passado, o jornalista assinou a série de reportagens “Polícia Fora da Lei”. O trabalho revelou que agentes usavam viaturas da corporação para visitas a casas de prostituição em horário de expediente, por exemplo. Na ocasião, também recebeu ameaças. O trabalho foi finalista do Prêmio Esso Regional Sul de 2012.
No ano 2000, Mauri já havia sido vítima da truculência de quem é desmascarado por seu trabalho: ele foi espancado no Paraguai, quando investigava o recrutamento ilegal de adolescentes para o serviço militar daquele país.
Na noite de sexta-feira, Mauri conversou com o Grupo RBS usando seu telefone celular com número de Curitiba. Com um tom de voz que aparentava serenidade, ele contou sua história, garantiu que as ameaças não o silenciarão e confessou o desejo de retornar logo ao Brasil para continuar seu trabalho. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
“Não vou ceder a ameaças”
Grupo RBS – Como foram as ameaças que você recebeu antes do Natal?
Mauri König – No início da tarde do dia 17, quando publicamos uma suíte da série “Polícia Fora da Lei”, recebemos três ligações. A primeira delas foi atendida por um repórter da RPC TV. Um homem que se identificou como policial disse que cinco policiais militares do Rio de Janeiro teriam sido contratados para metralhar a minha casa. Em seguida, a mesma ou outra pessoa ligou na “Gazeta do Povo”. A ligação era direcionada à diretora da redação, mas ela não atendeu. Nessa ligação, disseram que os policiais contratados já estariam em Curitiba, com o objetivo de me matar e matar também um policial que teria sido meu informante. A terceira ligação foi recebida pela secretária da vice-presidência da “Gazeta”. Aí fizeram ameaças gerais, não de morte, mas dizendo que se o jornal continuasse publicando as matérias, eles vazariam alguma informação que desagradaria à diretoria.
Grupo RBS –O que aconteceu logo depois?
Mauri – O jornal imediatamente contratou quatro seguranças e naquele dia já passei a dormir, com minha mulher e meu filho de três anos, em diferentes hotéis de Curitiba. No sábado seguinte, deixei o País, com apoio da “Gazeta”, do CPJ (Committee to Protect Journalists), sediado nos EUA, e do Instituto Prensa y Sociedad, do Peru. A Abraji, da qual sou diretor, também está me dando um apoio incondicional. Mas eu continuo fora do País, por tempo indeterminado.
Grupo RBS – Você sabe de quem são as ameaças?
Mauri – Sei, mas não tenho como provar. Tenho certeza de que são policiais civis. Em maio, quando fui ameaçado, eles me chamaram de inimigo número 1 da Polícia Civil, num blog assinado por policiais. Pelo linguajar, dá para saber que são eles que escrevem.
Grupo RBS – O que você espera das autoridades agora?
Mauri – Espero que o Ministério Público e a Polícia Civil do Paraná consigam enxergar os autores dessas ameaças. Não sou eu apenas que estou em risco. É a sociedade brasileira, que tem direito à informação e direito de saber como a corrupção afeta seus direitos elementares. Se a Polícia Civil não levar adiante as investigações, teremos para sempre esse risco de ameaça sob nossas cabeças. Se não forem encontradas, essas pessoas se sentirão autorizadas a continuar a fazer ameaças. Em maio, o governo do Estado foi condescendente quando não levou adiante as investigações. É corresponsável pelas ameaças que sofremos agora.
Grupo RBS – Você se sente seguro em sua atividade?
Mauri – Eu acho que o jornalista está tão vulnerável quanto qualquer outro profissional. A diferença é que se expõe a mais riscos, dependendo do tipo de cobertura que faz. Cobrir segurança pública é delicado, porque é quando se lida com a banda podre da polícia, de um lado, e com os marginais, de outro. Caminhamos sempre numa linha tênue e podemos nos tornar o alvo.
Grupo RBS – As ameaças fazem você repensar seu trabalho?
Mauri – Não podemos ceder às ameaças. Se cedermos, os agressores vão notar que venceram e se sentirão autorizados a repetir. Talvez precise encontrar apenas uma maneira alternativa de fazer essa cobertura. Ceder, jamais.
Grupo RBS – Por que você decidiu trabalhar fazendo reportagens investigativas?
Mauri – Minha convicção é de que a função do jornalismo é interferir na realidade, naquilo que ele entende de mais injusto, tornando público os fatos para que a intervenção seja feita. O jornalismo tem essa premissa e não apenas nos casos de polícia ou corrupção. Fazemos isso quando tornamos pública uma informação que parece banal, mas que é de utilidade para que as pessoas reorganizem seu cotidiano e melhorem suas práticas.
Grupo RBS – Quando voltar ao País, o que pretende fazer do ponto de vista profissional?
Mauri – Eu vou continuar. Depois que você percebe que o jornalismo de profundidade dá resultado, incomoda a parte denunciada e faz diferença na vida das pessoas, não consegue mais fazer outra coisa. Esse é o meu caminho, quero esgotar os assuntos. E não tenho como abrir mão dessa estrada trilhada há tanto tempo. Não vou ceder a ameaças.
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