Este Blog permanece ativo 24 horas por dia e somente informa os que aqui chegam, com assuntos que circulam pela internet e jornais. Não categoriza nem afirma isso ou aquilo como verdade absoluta. Não pretende desenvolver uma doutrina, nem convencer ninguém. Mas apenas que possamos refletir em assuntos importantes de nosso dia-a-dia. Portanto, tudo que for postado são de conteúdo informativo, cabendo a cada um ter suas próprias conclusões.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Criminosos bancados pelo Estado

O assassinato do estudante paulista não foi uma fatalidade — trata-se de uma política pública do Estado brasileiro, como provam os matricídios, parricídios, latrocínios e estupros praticados por menores pelo País afora

José Maria e Silva
A imprensa brasileira está morta. A exemplo dos partidos políticos, ela se tornou refém dos grupos de pressão e não consegue pensar os fatos com a própria ca­beça. O jornalismo sempre al­me­jou o papel de consciência viva da sociedade, mas hoje não passa de boneco de ventríloquo dos intelectuais universitários. É o que se percebe na discussão sobre a redução da maioridade penal, suscitada pe­lo assassinato do estudante paulistano Vitor Hugo Deppman, du­ran­te um assalto na porta do prédio onde morava. Ele foi morto por um menor que completou 18 anos três dias depois de ter praticado o crime. Além disso, o assassino agiu com extrema crueldade, al­ve­jando a cabeça do jovem depois que ele já havia entregue o celular. As imagens foram captadas por uma câmara de rua, o que contribuiu para a comoção nacional.
Imagem mostra o momento em que menor mata o estudante Vitor Deppman após este entregar-lhe o celular: assassino fez 18 anos três dias depois do crime
O Instituto Datafolha, da “Folha de S. Paulo”, saiu a campo e constatou que 93% dos paulistanos querem a redução da maioridade penal. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foi ao Congresso Nacional defender o aumento para oito anos do tempo de internação para os menores que cometerem crimes graves, como homicídio e latrocínio, hoje limitado a três anos. Na internet surgiram petições propondo a responsabilização penal do menor a partir dos 16 anos ou até menos.
Mas a reação dos defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não tardou. Mal o corpo de Vitor Hugo Deppman baixou à sepultura, eles saíram a campo para barrar qualquer proposta de redução da maioridade penal ou de alteração no ECA, com o apoio do PT e do governo federal. A imprensa ouve esses dois lados e, fingindo cumprir o seu papel, busca a opinião dos especialistas das universidades, que ela imagina neutros. E aí reside o problema: eles não são neutros. A ciência no Brasil frequentemente está a serviço do crime.
Os acadêmicos dizem que não se pode discutir a redução da maioridade penal com base na comoção sus­citada por um crime envolvendo me­nor. É como se um caso como o de Vitor Hugo Deppman fosse úni­co ou raro. Como a grande imprensa parece incapaz de enxergar o Bra­sil que existe para além do eixo Rio-São Paulo, fica parecendo que os defensores do ECA têm razão e que o assassinato do estudante paulista não é representativo da criminalidade bárbara praticada cotidianamente por menores de idade. Até a revista “Veja”, em sua versão digital, que produziu uma das melhores ma­térias sobre o assunto, só conseguiu citar cinco crimes praticados por menores num largo espaço de 16 anos: dois do Rio de Ja­nei­ro (o guitarrista do Deto­nau­tas, em 2006, e o menino João Hé­lio, em 2007), dois de São Pau­lo (o casal Liana Friedenbach e Fe­lipe Caffé, em 2003, e o próprio Vitor Hugo, em 2013) e um do Distrito Federal (o índio Galdino, em 1997).
Fica parecendo que os crimes hediondos praticados por menores são de fato casos isolados (co­mo alegam os acadêmicos) e não justificam a redução da maioridade penal. Mas se a grande im­pren­sa cumprisse o seu papel e o­lhasse para o Brasil como um to­do, ela nem precisaria recuar no tem­po para encontrar outros monstros mirins até muito piores do que o assassino do estudante pau­lista. Cotidianamente, pelo Bra­sil afora, os menores matam. Diuturnamente, pelo Brasil afora, os menores estupram. Recor­rentemente, pelo Brasil afora, os menores roubam, assaltam, es­pan­cam, traficam drogas. Somen­te nos primeiros meses deste ano, pe­lo menos 40 assassinatos – al­guns com extrema crueldade – fo­ram cometidos por menores em todo o país, o que dá uma mé­dia de mais de dez homicídios pra­ticados por menores a cada mês. Esse levantamento foi feito por mim mesmo, varando sozinho as madrugadas em busca das no­tícias policiais da imprensa re­gional no país. Há casos bárbaros, que se fossem mostrados nacionalmente, revelariam, com toda ni­tidez, a face hedionda do Es­ta­tuto da Criança e do Adolescente.

Estraçalhando namorada e filha

Em João Pessoa, no dia 29 de março deste ano, apenas 11 dias antes do latrocínio que vitimou o estudante paulista, um me­nor de 15 anos convidou a ex-namorada de 14 anos para irem a Cabedelo, cidade com 57.944 habitantes, conurbada à ca­pital paraibana. O que parecia um passeio de adolescentes, tentando reatar o namoro interrompido um mês antes, terminou de forma trágica. No meio da conversa, o menor puxou a fa­ca que trazia escondida e desferiu 30 golpes na menina. Em se­guida jogou o corpo estraçalhado num riacho próximo. Ao ser preso, alguns dias depois, ele re­latou friamente como matou a ex-namorada e contou ter tomado banho de mar para limpar o sangue do cor­po. Mas essa não foi a primeira vi­o­lência praticada pelo menor. O re­lacionamento havia terminado por­que a menina era constantemente agredida por ele, motivo da última separação. E o que é mais estarrecedor: a menina de apenas 14 anos chegou a ficar grá­vida do menor de 15 anos, que a espancou durante a gravidez e ela perdeu o bebê. O Estatuto da Crian­ça e do Adolescente, que jamais ser­viu para protegê-la, será a ga­ran­tia de impunidade do seu algoz.
Em Conquista, cidade do Triângulo Mineiro com 6.526 habitantes, na madrugada de 23 de março (17 dias antes da morte do estudante paulista), um menor de 14 anos invadiu o quartel da PM, com a intenção de roubar um fuzil. Acabou conseguindo uma pistola, com a qual resolveu roubar um carro estacionado num quintal. Já estava amanhecendo e a porta da casa estava aberta. O adolescente deu um tiro para o alto e, com o barulho, uma idosa de 71 anos se assustou e saiu para ver o que era.
O me­nor deu um tiro na cabeça da i­do­sa e ela morreu na hora. Ao ou­vir os gritos da mãe, sua filha, de 51 anos, também saiu à porta. Le­vou dois tiros e morreu mais tar­de no hospital. Então, o me­nor entrou na casa, pegou a cha­ve do carro e fugiu para a cidade vizinha de Sacramento. Acabou sendo preso no mesmo dia e contou à polícia que seu objetivo era voltar com o carro roubado para Franca, no interior de São Paulo, onde reside sua família. Com apenas 14 anos, o frio assassino das duas mulheres, mãe e filha, tinha 13 passagens pela polícia.
Em 18 de janeiro deste ano, na cidade goiana de Santa Rita do Araguaia (com 6.924 habitantes), um menor de 13 anos matou a própria mãe, de 38 anos, com uma pedrada na cabeça. O crime aconteceu na estação rodoviária da cidade, quando a mãe tentava levá-lo para uma clínica de recuperação de entorpecentes em Jataí. O menor não queria ser internado e, para escapar da mãe, cometeu o crime, valendo-se de uma grande pedra, num momento de distração de seus familiares. A mulher ainda chegou com vida ao Hospital Municipal de Alto Araguaia, mas não resistiu aos ferimentos. Seu corpo foi encaminhado para Rio Verde, onde foi sepultado. Ela não morava na cidade e tinha ido a Santa Rita apenas para buscar o filho para ser tratado. Mas o menor preferia ficar na cidade, morando com o pai, que também é viciado em drogas. Antes de matar a mãe com uma pedrada, o menor tentou esfaquear uma tia. As matérias que pesquisei, não contextualizam a vida da mãe, mas é provável que ela tivesse outros filhos, agora, órfãos e desamparados, enquanto o menor assassino já está sob a proteção total do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Trucidando a mãe e a irmã

A cidade de Ourilândia do Norte, no interior do Pará, com 27.359 habitantes, foi abalada por um crime bárbaro no dia 18 de janeiro deste ano. Uma empresária de 35 anos foi morta em sua própria casa com nove facadas. O assassinato foi perpetrado por seu próprio filho de 16 anos, que pagou um comparsa de 18 anos para ajudá-lo. A frieza do assassino é patente nos mínimos detalhes do crime. Era uma sexta-feira, final de mais um dia comum de trabalho, e ele trouxe a mãe para casa na garupa da moto. O cúmplice já estava escondido no quintal. A mãe, que jamais suspeitaria da trama, foi tomar banho. O menor abriu a porta para o comparsa e esperou que a mãe saísse do banheiro. Quando ela entrou na lavanderia da casa, eles a agarraram. O comparsa segurou a vítima e o menor desferiu as nove facadas em sua própria mãe. Detalhe: a mulher estava grávida de sete meses – era uma menina. Depois de cometer o duplo assassinato da mãe e da irmãzinha, o menor tomou banho, perfumou-se, pegou o celular da vítima mais R$ 500 e se foi. Acabou preso numa churrascaria de uma cidade vizinha, quando almoçava com a namorada no horário do velório de sua mãe.
Na noite de 11 de fevereiro deste ano, uma menina foi encontrada morta próximo de um açude na cidade piauiense de Demerval Lobão, com 13.278 habitantes. A criança estava nua e tinha várias marcas de violência, inclusive um braço quebrado. A perícia médica constatou que ela tinha sido estuprada e morreu por asfixia. Uma semana depois, valendo-se de depoimentos de testemunhas, roupas sujas de sangue e exame de DNA, a polícia descobriu quem foi o estuprador e assassino da menina: foi o seu próprio meio-irmão, um menor de 17 anos, que alegou estado de embriaguez na hora em que cometeu o crime. Já na cidade mineira de São Francisco, com 53.828 habitantes, a vítima foi um menino de 10 anos. Ele foi violentado por um menor de 15 anos, seu amigo e vizinho, às margens do Rio São Francisco. Além de violentar o menino, com a ajuda de um comparsa, o menor afogou a criança no rio. À polícia, o menor alegou que queria roubar a bicicleta da criança, mas, para os policiais, a principal motivação do menor foi mesmo a prática de violência sexual.
Em Porto Velho, capital de Rondônia, na madrugada de 7 de abril, um menor de 16 anos matou um agricultor de 44 anos a golpes de faca e terçado. Eles estavam bebendo juntos, quando se desentenderam. O agricultor xingou a mãe do rapaz e foi atacado. O menor deu uma entrevista a uma emissora de TV local e disse que não estava arrependido. Até se vangloriou dos cortes que fez no peito, no pescoço e na cabeça da vítima e confirmou a história de que havia comido parte do cérebro do morto, conforme disseram testemunhas. Segundo esses depoimentos, ele foi encontrado com a boca cheia e suja de sangue e, depois de mastigar o cérebro da vítima, disse que achou gostoso e queria mais. Pode ser que a história do cérebro comido com muito gosto não passe de uma lenda disseminada pelo sensacionalismo da crônica policial e que o menor a tenha confirmado para parecer mais valente do que é. De qualquer modo, os estragos que fez na vítima revelam uma fúria incompatível com os meros três anos de internação socioeducativa, com chances de sair antes para as ruas, uma vez que a avaliação do menor acontece a cada seis meses.

Mundo banhado em sangue

Em Parnaíba, um das principais cidades do Piauí, com 145.705 habitantes, um menor de 15 anos matou um adolescente de 17 anos no dia 25 de fevereiro deste ano. Ele foi preso, confessou o crime, mas foi liberado em seguida. Menos de uma semana depois, voltou a matar de novo. Envolveu-se numa briga e esfaqueou um rapaz no pescoço e no peito. Na delegacia, o menor exibia nas costas uma tatuagem imensa de Chuck, o Brinquedo Assassino, personagem de filme de terror, com a faca ensanguentada do boneco destacando-se nas suas costas. Também na cidade cearense de Ipu, com 40.296 habitantes, ocorreu um crime brutal entre adolescentes. Um menor de 16 anos invadiu uma casa para vingar a morte de sua mãe, ocorrida um ano antes, mas o filho da mulher que ele queria matar, um menor de 17 anos, foi mais rápido: matou o outro menor com 36 facadas. A irmã do menor assassino, de 15 anos, colaborou no crime. E o menor que morreu tinha passagem pela polícia por furto, assalto e tráfico de drogas. Como se vê, um mundo banhado em sangue, que o ECA acha possível recuperar com discurso.
Em São Joaquim de Bicas, cidade com 25.537 habitantes na região metropolitana de Belo Horizonte, um menor de 17 anos matou a pauladas o próprio avô de 73 anos, no dia 10 de março, um mês antes da morte do estudante paulista. O menor era traficante de drogas e, segundo testemunhas, desde os 6 anos de idade estava envolvido em brigas. Já na cidade de Jaboticatubas (com 17.134 habitantes), também na região metropolitana de Belo Horizonte, a vítima de um menor infrator não foi o avô, mas o próprio pai. No dia 10 de abril, pai e filho começaram a discutir, porque o menor de 15 anos não queria levar o irmão de 8 anos à escola, conforme o pai havia mandado. Então o menor, que tinha passagem pela polícia por porte de drogas, desferiu uma facada no peito do pai e o matou. A criança de 8 anos, apavorada, correu sozinha até a delegacia, que não ficava muito longe de sua casa, para avisar que o pai e o irmão estavam discutindo. Mas quando a polícia chegou, o pai do menor já estava morto no quintal da casa. O menor fugiu, mas acabou capturado pela polícia.
Na cidade paulista de Pinhal­zinho, com 13.105 habitantes, um casal de comerciantes, idosos, ambos com 75 anos, foi morto no dia 12 de abril, três dias após o assassinato do estagiário da Rede TV. O assassino é um menor de 17 anos, usuário de drogas, com várias passagens pela polícia. Ele matou os idosos para roubar. Desferiu facadas no peito e no pescoço das vítimas e roubou R$ 1.300, que usou para comprar drogas, roupas e outros objetos pessoais. Aliás, um expressivo porcentual dos latrocínios e homicídios praticados por menores tem como principal motivação arrecadar dinheiro para sustentar o vício de drogas. E grande parte das vítimas desse tipo de crime são os próprios parentes ou vizinhos dos menores assassinos. E é só o começo. Na medida em que o Estado brasileiro for aumentando o número de leitos destinados ao tratamento de drogados, mais esse tipo de crime vai crescer. A medicina não cura drogado: ela cria bombas humanas, ao transformar o viciado num duplo dependente químico – das drogas e das medicações, misturadas indiscriminadamente no seu organismo.

O fim dos menores de rua

Mas isso é assunto que exige artigo à parte. O objetivo deste foi mostrar que o assassinato do estudante Vitor Hugo Deppman está longe de ser uma fatalidade. Na verdade, o latrocínio, o homicídio e o estupro praticado por menores é uma política pública oficial do Estado brasileiro – implantada no País pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a lei mais hedionda da história contemporânea do País. E essa lei perversa – que trata a vida humana como entulho no caminho dos menores criminosos – será complementada pelo Estatuto da Juventude, também previsto na malfadada Constituição de 88 e já em fase de aprovação final no Senado. Observem que só elenquei aqui os homicídios e latrocínios praticados por menores nos primeiros meses deste ano – somente 2013, ressalte-se. Nessa breve pesquisa, deparei com crimes ainda mais bárbaros perpetrados por menores em anos anteriores, a maioria sem nenhuma menção na grande imprensa, mas fiz questão de deixá-los de fora para provar que estão matando é nesse momento. O assassinato de Vitor Hugo Deppman não é um caso isolado.
A criminalidade juvenil é ainda mais abrangente. O problema é que contabilizar também os furtos, roubos, assaltos, tráfico de drogas e estupros sem morte praticados por menores é uma tarefa impossível para uma pessoa só – as cifras, sem dúvida, ultrapassam a casa do milhar a cada mês. Mas esse trabalho precisava ser feito por alguma instituição. Afinal, todo menor que assalta e trafica drogas é um potencial homicida. Infelizmente, as ONGs que trabalham com a questão do menor não são confiáveis. As universidades muito menos. E a maioria dos operadores do direito – juízes, promotores, advogados, defensores públicos – professam uma fé esquizofrênica na capacidade do ECA de operar milagres. Contrariando os fatos, o bom senso e própria moral (uma vez que se trata de uma mentira deslavada), toda essa gente chega a repetir que o índice de reincidência dos menores é inferior ao índice de reincidência dos adultos. É como se a esmagadora maioria dos criminosos adultos não viesse de um passado de delinquência juvenil, o que mostra que esses menores homicidas e estupradores de hoje não vão se recuperar jamais – vão é se aprofundar na crueldade.
Ao impedir que maioridade penal seja debatida em igualdade de condições entre os que são favoráveis à sua redução e os que são contrários, o governo federal – com o apoio das universidades e da maioria dos operadores do direito – está levando a nação brasileira para o inexorável caminho do suicídio. Notem que no Brasil já não existem mais os menores de rua. Esse que já foi, aparentemente, o maior problema nacional, simplesmente desapareceu da pauta dos debates. E por que isso ocorreu? Por que o problema foi solucionado? Não. Definitivamente, não. É que os menores de rua de ontem, graças ao Estatuto da Criança e do Adolescente, transformaram-se nos adultos de rua de hoje, quase todos drogados – uma tragédia humana de dimensões bíblicas, criada pelos engenheiros sociais das universidades e transformada em política pública pelo governo federal. Já os menores infratores, que antes eram menores de rua, viraram criminosos de casa. Hoje, um adolescente de 12, de 14 anos, entra no tráfico, bate ponto toda semana na delegacia de polícia e no conselho tutelar, mas continua morando com a família e frequentando a escola. Como nem seus pais nem seus professores podem repreendê-lo, muito menos a polícia pode prendê-lo, ele não tem motivo algum para fugir de casa e ir morar na rua. Pode continuar roubando e traficando e voltando para casa sempre, como se o crime fosse um trabalho. Com isso, o menor criminoso destrói a família, complementando o papel dos maiores de rua, que inviabilizam a cidade.
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segunda-feira, 15 de abril de 2013

Jornalista do Paraná que denunciou corrupção se exila após sofrer ameaças

Mauri König trabalha na 'Gazeta do Povo' e precisou sair do Brasil dias antes do Natal.  

Exilado por questões de segurança pessoal desde os últimos dias de 2012, o jornalista paranaense Mauri König, 46 anos, enfrenta uma situação que não chega a ser nova em sua vida profissional de reportagens investigativas. Mas que espanta a sociedade democrática e deixa indignados os defensores da liberdade de expressão. Dias antes do Natal, o repórter recebeu ameaças de que ele e sua família seriam metralhados.

Houve três ligações telefônicas para a sede da “Gazeta do Povo” e da RPC TV, em Curitiba, em 17 de dezembro. Foi no mesmo dia em que o jornal publicou reportagem de Mauri sobre promoções de delegados que havia investigado e denunciado por uso indevido de veículos oficiais para fins pessoais.

Em maio do ano passado, o jornalista assinou a série de reportagens “Polícia Fora da Lei”. O trabalho revelou que agentes usavam viaturas da corporação para visitas a casas de prostituição em horário de expediente, por exemplo. Na ocasião, também recebeu ameaças. O trabalho foi finalista do Prêmio Esso Regional Sul de 2012.

No ano 2000, Mauri já havia sido vítima da truculência de quem é desmascarado por seu trabalho: ele foi espancado no Paraguai, quando investigava o recrutamento ilegal de adolescentes para o serviço militar daquele país.

Na noite de sexta-feira, Mauri conversou com o Grupo RBS usando seu telefone celular com número de Curitiba. Com um tom de voz que aparentava serenidade, ele contou sua história, garantiu que as ameaças não o silenciarão e confessou o desejo de retornar logo ao Brasil para continuar seu trabalho. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

“Não vou ceder a ameaças”

Grupo RBS Como foram as ameaças que você recebeu antes do Natal?
Mauri König – No início da tarde do dia 17, quando publicamos uma suíte da série “Polícia Fora da Lei”, recebemos três ligações. A primeira delas foi atendida por um repórter da RPC TV. Um homem que se identificou como policial disse que cinco policiais militares do Rio de Janeiro teriam sido contratados para metralhar a minha casa. Em seguida, a mesma ou outra pessoa ligou na “Gazeta do Povo”. A ligação era direcionada à diretora da redação, mas ela não atendeu. Nessa ligação, disseram que os policiais contratados já estariam em Curitiba, com o objetivo de me matar e matar também um policial que teria sido meu informante. A terceira ligação foi recebida pela secretária da vice-presidência da “Gazeta”. Aí fizeram ameaças gerais, não de morte, mas dizendo que se o jornal continuasse publicando as matérias, eles vazariam alguma informação que desagradaria à diretoria.

Grupo RBSO que aconteceu logo depois?
Mauri – O jornal imediatamente contratou quatro seguranças e naquele dia já passei a dormir, com minha mulher e meu filho de três anos, em diferentes hotéis de Curitiba. No sábado seguinte, deixei o País, com apoio da “Gazeta”, do CPJ (Committee to Protect Journalists), sediado nos EUA, e do Instituto Prensa y Sociedad, do Peru. A Abraji, da qual sou diretor, também está me dando um apoio incondicional. Mas eu continuo fora do País, por tempo indeterminado.

Grupo RBS – Você sabe de quem são as ameaças?
Mauri – Sei, mas não tenho como provar. Tenho certeza de que são policiais civis. Em maio, quando fui ameaçado, eles me chamaram de inimigo número 1 da Polícia Civil, num blog assinado por policiais. Pelo linguajar, dá para saber que são eles que escrevem.


Grupo RBS – O que você espera das autoridades agora?
Mauri – Espero que o Ministério Público e a Polícia Civil do Paraná consigam enxergar os autores dessas ameaças. Não sou eu apenas que estou em risco. É a sociedade brasileira, que tem direito à informação e direito de saber como a corrupção afeta seus direitos elementares. Se a Polícia Civil não levar adiante as investigações, teremos para sempre esse risco de ameaça sob nossas cabeças. Se não forem encontradas, essas pessoas se sentirão autorizadas a continuar a fazer ameaças. Em maio, o governo do Estado foi condescendente quando não levou adiante as investigações. É corresponsável pelas ameaças que sofremos agora.

Grupo RBS – Você se sente seguro em sua atividade?
Mauri – Eu acho que o jornalista está tão vulnerável quanto qualquer outro profissional. A diferença é que se expõe a mais riscos, dependendo do tipo de cobertura que faz. Cobrir segurança pública é delicado, porque é quando se lida com a banda podre da polícia, de um lado, e com os marginais, de outro. Caminhamos sempre numa linha tênue e podemos nos tornar o alvo.


Grupo RBS – As ameaças fazem você repensar seu trabalho?
Mauri – Não podemos ceder às ameaças. Se cedermos, os agressores vão notar que venceram e se sentirão autorizados a repetir. Talvez precise encontrar apenas uma maneira alternativa de fazer essa cobertura. Ceder, jamais.

Grupo RBS – Por que você decidiu trabalhar fazendo reportagens investigativas?
Mauri – Minha convicção é de que a função do jornalismo é interferir na realidade, naquilo que ele entende de mais injusto, tornando público os fatos para que a intervenção seja feita. O jornalismo tem essa premissa e não apenas nos casos de polícia ou corrupção. Fazemos isso quando tornamos pública uma informação que parece banal, mas que é de utilidade para que as pessoas reorganizem seu cotidiano e melhorem suas práticas.


Grupo RBS – Quando voltar ao País, o que pretende fazer do ponto de vista profissional?
Mauri – Eu vou continuar. Depois que você percebe que o jornalismo de profundidade dá resultado, incomoda a parte denunciada e faz diferença na vida das pessoas, não consegue mais fazer outra coisa. Esse é o meu caminho, quero esgotar os assuntos. E não tenho como abrir mão dessa estrada trilhada há tanto tempo. Não vou ceder a ameaças.

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