Mauri König trabalha na 'Gazeta do Povo' e precisou sair do Brasil dias antes do Natal.
Exilado por questões de segurança pessoal desde os últimos dias de
2012, o jornalista paranaense Mauri König, 46 anos, enfrenta uma
situação que não chega a ser nova em sua vida profissional de
reportagens investigativas. Mas que espanta a sociedade democrática e
deixa indignados os defensores da liberdade de expressão. Dias antes do
Natal, o repórter recebeu ameaças de que ele e sua família seriam
metralhados.
Houve três ligações telefônicas para a sede da
“Gazeta do Povo” e da RPC TV, em Curitiba, em 17 de dezembro. Foi no
mesmo dia em que o jornal publicou reportagem de Mauri sobre promoções
de delegados que havia investigado e denunciado por uso indevido de
veículos oficiais para fins pessoais.
Em maio do ano passado, o
jornalista assinou a série de reportagens “Polícia Fora da Lei”. O
trabalho revelou que agentes usavam viaturas da corporação para visitas a
casas de prostituição em horário de expediente, por exemplo. Na
ocasião, também recebeu ameaças. O trabalho foi finalista do Prêmio Esso
Regional Sul de 2012.
No ano 2000, Mauri já havia sido vítima da
truculência de quem é desmascarado por seu trabalho: ele foi espancado
no Paraguai, quando investigava o recrutamento ilegal de adolescentes
para o serviço militar daquele país.
Na noite de sexta-feira,
Mauri conversou com o Grupo RBS usando seu telefone celular com número
de Curitiba. Com um tom de voz que aparentava serenidade, ele contou sua
história, garantiu que as ameaças não o silenciarão e confessou o
desejo de retornar logo ao Brasil para continuar seu trabalho. Confira
abaixo os principais trechos da entrevista.
“Não vou ceder a ameaças”
Grupo RBS – Como foram as ameaças que você recebeu antes do Natal?
Mauri
König – No início da tarde do dia 17, quando publicamos uma suíte da
série “Polícia Fora da Lei”, recebemos três ligações. A primeira delas
foi atendida por um repórter da RPC TV. Um homem que se identificou como
policial disse que cinco policiais militares do Rio de Janeiro teriam
sido contratados para metralhar a minha casa. Em seguida, a mesma ou
outra pessoa ligou na “Gazeta do Povo”. A ligação era direcionada à
diretora da redação, mas ela não atendeu. Nessa ligação, disseram que os
policiais contratados já estariam em Curitiba, com o objetivo de me
matar e matar também um policial que teria sido meu informante. A
terceira ligação foi recebida pela secretária da vice-presidência da
“Gazeta”. Aí fizeram ameaças gerais, não de morte, mas dizendo que se o
jornal continuasse publicando as matérias, eles vazariam alguma
informação que desagradaria à diretoria.
Grupo RBS –O que aconteceu logo depois?
Mauri
– O jornal imediatamente contratou quatro seguranças e naquele dia já
passei a dormir, com minha mulher e meu filho de três anos, em
diferentes hotéis de Curitiba. No sábado seguinte, deixei o País, com
apoio da “Gazeta”, do CPJ (Committee to Protect Journalists), sediado
nos EUA, e do Instituto Prensa y Sociedad, do Peru. A Abraji, da qual
sou diretor, também está me dando um apoio incondicional. Mas eu
continuo fora do País, por tempo indeterminado.
Grupo RBS – Você sabe de quem são as ameaças?
Mauri
– Sei, mas não tenho como provar. Tenho certeza de que são policiais
civis. Em maio, quando fui ameaçado, eles me chamaram de inimigo número 1
da Polícia Civil, num blog assinado por policiais. Pelo linguajar, dá
para saber que são eles que escrevem.
Grupo RBS – O que você espera das autoridades agora?
Mauri
– Espero que o Ministério Público e a Polícia Civil do Paraná consigam
enxergar os autores dessas ameaças. Não sou eu apenas que estou em
risco. É a sociedade brasileira, que tem direito à informação e direito
de saber como a corrupção afeta seus direitos elementares. Se a Polícia
Civil não levar adiante as investigações, teremos para sempre esse risco
de ameaça sob nossas cabeças. Se não forem encontradas, essas pessoas
se sentirão autorizadas a continuar a fazer ameaças. Em maio, o governo
do Estado foi condescendente quando não levou adiante as investigações. É
corresponsável pelas ameaças que sofremos agora.
Grupo RBS – Você se sente seguro em sua atividade?
Mauri
– Eu acho que o jornalista está tão vulnerável quanto qualquer outro
profissional. A diferença é que se expõe a mais riscos, dependendo do
tipo de cobertura que faz. Cobrir segurança pública é delicado, porque é
quando se lida com a banda podre da polícia, de um lado, e com os
marginais, de outro. Caminhamos sempre numa linha tênue e podemos nos
tornar o alvo.
Grupo RBS – As ameaças fazem você repensar seu trabalho?
Mauri
– Não podemos ceder às ameaças. Se cedermos, os agressores vão notar
que venceram e se sentirão autorizados a repetir. Talvez precise
encontrar apenas uma maneira alternativa de fazer essa cobertura. Ceder,
jamais.
Grupo RBS – Por que você decidiu trabalhar fazendo reportagens investigativas?
Mauri
– Minha convicção é de que a função do jornalismo é interferir na
realidade, naquilo que ele entende de mais injusto, tornando público os
fatos para que a intervenção seja feita. O jornalismo tem essa premissa e
não apenas nos casos de polícia ou corrupção. Fazemos isso quando
tornamos pública uma informação que parece banal, mas que é de utilidade
para que as pessoas reorganizem seu cotidiano e melhorem suas práticas.
Grupo RBS – Quando voltar ao País, o que pretende fazer do ponto de vista profissional?
Mauri
– Eu vou continuar. Depois que você percebe que o jornalismo de
profundidade dá resultado, incomoda a parte denunciada e faz diferença
na vida das pessoas, não consegue mais fazer outra coisa. Esse é o meu
caminho, quero esgotar os assuntos. E não tenho como abrir mão dessa
estrada trilhada há tanto tempo. Não vou ceder a ameaças.
Instituto Brasil Verdade
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