A discussão sobre uma alternativa ao dólar, que estará na pauta da primeira reunião dos chamados BRIC, é vista com ceticismo por economistas ouvidos pela BBC Brasil. Os governos de Brasil, Rússia, Índia e China estão preocupados com a desvalorização da moeda americana e com o impacto dessa queda em suas reservas internacionais.
No entanto, economistas argumentam que, "no mundo real", a substituição do dólar por outra moeda exige um processo "complexo" e que também precisa levar em consideração o "poder dos mercados". "Não é algo que se mude por uma resolução ou pela decisão de governos. É um processo complexo, que envolve sobretudo a confiança dos mercados", disse à BBC Brasil o economista Edwin Truman, do Instituto Peterson de Economia Internacional.
Segundo ele, estima-se que os governos de todo o mundo tenham US$ 7 trilhões em reservas. Já os ativos negociados pelos mercados chegam a US$ 90 trilhões. "A maior parte dos dólares não está nas mãos de bancos centrais, e sim de pessoas comuns, investidores, que têm uma forte influência sobre o processo", afirmou Truman, que tem em seu currículo passagens pelo Tesouro e pelo banco central americano.
Proposta
A proposta de se discutir uma alternativa ao dólar partiu da China, pouco antes da reunião do G20, em abril, em Londres. Brasil, Índia e Rússia concordaram em levar a discussão adiante, tornando o tema uma das principais questões da reunião desta terça-feira, na cidade russa de Ecaterimburgo.
Juntos, os BRIC têm aproximadamente US$ 2,8 bilhões em suas reservas internacionais. Os países não divulgam oficialmente a composição desse volume - mas estima-se que, no caso da China, a participação dos ativos em dólar chegue a 70%.
Para a economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eliana Cardoso, "a grande preocupação está com os chineses". "Eles não diversificaram suas reservas e agora estão sofrendo pressões internas, estão sendo bastante criticados pelas perdas com a queda do dólar", disse.
A desvalorização da moeda americana vem afetando não apenas o rendimento das reservas internacionais, mas também o resultado das exportações. A valorização de moedas locais frente ao dólar tem forte impacto nas contas de comércio, principalmente entre os grandes exportadores, como China e Brasil.
O governo brasileiro vem defendendo a substituição do dólar por real e yuan no comércio bilateral com os chineses. O sistema, já adotado com a Argentina, permite que importadores e exportadores realizem suas transações utilizando suas próprias moedas, em vez do dólar.
De acordo o Banco Central, o sistema de pagamentos com a Argentina, adotado desde outubro, movimenta apenas 3% de toda a corrente de comércio entre os dois países. A economista da FGV diz que medidas de substituição ao dólar podem ser tomadas pontualmente, mas têm pouco impacto sobre todo o sistema. "O dólar pode até estar passando por uma crise, mas o fato é que as pessoas e as empresas confiam na moeda e preferem o dólar a qualquer outra opção", afirmou Cardoso.
Alternativa
Uma das propostas dos chineses e que deverá ser debatida nessa terça-feira é a substituição do dólar não por uma outra moeda, mas por uma unidade de valor que represente as principais moedas existentes. Essa unidade (ou moeda "sintética", como chamam alguns analistas) já existe e atende pelo nome de Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês).
Criado em 1969 pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o SDR é formado por uma "cesta" de quatro moedas (dólar, euro, iene e libra). Na avaliação de Truman, o SDR apresenta o mesmo problema de qualquer outra moeda: a falta de liquidez. "As pessoas preferem o dólar porque sabem que podem usá-lo de várias formas, praticamente em todo o mundo", disse.
Já o economista Barry Eichengreen, da Universidade de Berkeley, diz que o SDR pode ser uma saída, desde que os países estejam dispostos a tomar atitudes "concretas". Uma delas seria a emissão de títulos públicos lastreados em SDR. "O processo pode até ser difícil, mas não é impossível. É importante que os BRIC estejam levantando esse debate", diz.
'Pé no chão'
Uma fonte do Ministério da Fazenda disse à BBC Brasil que a substituição do dólar estará na pauta, mas que o governo brasileiro chega à reunião "com os pés no chão". "Qualquer mudança no sistema monetário internacional vai exigir uma coordenação em nível mundial, com a concordância das principais economias. É uma discussão de longo prazo", afirmou.
Além disso, segundo a fonte, "essa não é uma prioridade para o Brasil no momento". "Estamos preocupados com a recuperação do crédito, do crescimento. A desvalorização do dólar tem de ser discutida, mas sabemos que essa é uma questão prioritária para os chineses", disse. "E nem todos os BRIC tem o mesmo ranking de prioridades".
A postura do governo brasileiro, ainda de acordo com a fonte, é de participar do debate, "mas sem pressa". "Acreditamos em um processo gradual. Mesmo porque mudança monetária não acontece da noite para o dia."
Fonte
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