Vivem 16 vidas e têm medo de 'zombies'
Das ruínas do terremoto no Haiti estão renascendo os rituais levados há séculos pelos escravos africanos. Os haitianos viram-se para o mundo dos espíritos à procura de respostas e protecão. E, sem se darem conta, vão mostrando ao mundo que a sua crença não se esgota numa boneca espetada com alfinetes, como vemos nas histórias: Vudu
Aos haitianos só uma coisa mete mais medo do que a morte: os mortos. Os descendentes de escravos africanos acreditam que os homens têm 16 vidas para viver, mas também sabem que aqueles que morrem voltam à terra como zombies para se vingar dos que tratarem mal os seus cadáveres.
A profecia é repetida por todos os sacerdotes vudus e está a sendo levada muito a sério pelo povo. Desde o sismo de 12 de Janeiro ninguém faz nada que desrespeite os espíritos dos seus antepassados - 200 mil almas amontoadas em valas comuns, são os números do último balanço.
Ao contrário do preconceito, que o confunde com uma bruxaria que acaba sempre com alfinetes espetados numa boneca de palha, o vudu é uma religião que dá sentido à vida de milhões de pessoas na África e na América. A sua história perde-se no tempo. Pensa-se que teve origem na África Ocidental há uns dez mil anos atrás e que teria evoluído do animismo. Nas línguas tribais, "vudu" significa "espírito" e essa é a primeira pista para se compreender esta religião misteriosa.
Para os crentes, Deus criou o Homem e deixou-o num mundo material. Paralelo a este, mas invisível, existe o reino dos espíritos, os iwa. Todos - homens, animais, plantas, rochas - estão possuídos por iwa que dão sorte e protegem do mal. Os sacerdotes vudu fazem a ligação entre os dois mundos que têm de estar em equilíbrio. Quando assim não é, acontece uma tragédia.
Para os que acreditam no vudu, o terremoto do Haiti foi uma revolta do outro mundo. Erol Josue, sacerdote vudu, explica que o Haiti é "o espírito de uma mulher". "Quando sentiu dor, ela disse 'basta'. É simbólico. Fomos todos arrasados. Ricos e pobres. O palácio presidencial ruiu, o Parlamento ruiu, a Catedral ruiu. Estamos todos de joelhos."
O vudu chegou à América no século XVI com os escravos vindos do outro lado do Atlântico. Os negros foram convertidos à força ao cristianismo pelos franceses, mas mantiveram secretas as velhas crenças.
Naqueles tempos de exploração, o vudu era uma manifestação política para os escravos. Os historiadores admitem que foi uma cerimónia religiosa a eclodiu a revolta de 1791, que aboliu a escravatura - o Haiti foi o primeiro no mundo a fazê-lo. Treze anos depois, os revoltosos - que segundo um evangelista americano "fizeram um pacto com o Diabo" - conquistaram a independência.
Mesmo depois de expulsarem os franceses, os haitianos continuaram a conciliar o cristianismo com o vudu. Desde então, as cerimónias religiosas começam sempre com preces cristãs e acabam com rituais para adorar as divindades do culto.
Monique Henry, mãe de três filhos, de crucifixo ao pescoço, é a prova viva dessa fusão improvável. "Todos acreditamos em Deus, mas sentimos que o vudu é poderoso" disse ao The Independent. "Acreditamos que as divindades podem-nos proteger de novos perigos."
Os mesmos escravos que importaram o vudu para o Haiti, levaram o culto para o sul da América do Norte - sob domínio francês. Nova Orleães é a capital do vudu nos EUA e para muitos a capital do vudu no mundo. E é fácil compreender porquê. Foi ali que vudu se misturou com o culto hudu, que se confundiu com a magia negra e depois partiu à conquista de Hollywood. Pode dizer-se que foi na cidade do jazz que o vudu se tornou num mito.
D.N.
Das ruínas do terremoto no Haiti estão renascendo os rituais levados há séculos pelos escravos africanos. Os haitianos viram-se para o mundo dos espíritos à procura de respostas e protecão. E, sem se darem conta, vão mostrando ao mundo que a sua crença não se esgota numa boneca espetada com alfinetes, como vemos nas histórias: Vudu
Aos haitianos só uma coisa mete mais medo do que a morte: os mortos. Os descendentes de escravos africanos acreditam que os homens têm 16 vidas para viver, mas também sabem que aqueles que morrem voltam à terra como zombies para se vingar dos que tratarem mal os seus cadáveres.
A profecia é repetida por todos os sacerdotes vudus e está a sendo levada muito a sério pelo povo. Desde o sismo de 12 de Janeiro ninguém faz nada que desrespeite os espíritos dos seus antepassados - 200 mil almas amontoadas em valas comuns, são os números do último balanço.
O misticismo não é novo, mas a tragédia recente deu novo fôlego ao vudu no Haiti. Costuma dizer-se que no país mais pobre da América 60% dos habitantes são católicos, 40% são protestantes e 100% seguem o vudu. O padre Pierre André Laguerre de Sainte Bernardette explica o fenómeno: "Quando tudo está bem cada um vai à sua igreja. Quando algo mau acontece, vão todos ao sacerdote vudu pedir ajuda."
Ao contrário do preconceito, que o confunde com uma bruxaria que acaba sempre com alfinetes espetados numa boneca de palha, o vudu é uma religião que dá sentido à vida de milhões de pessoas na África e na América. A sua história perde-se no tempo. Pensa-se que teve origem na África Ocidental há uns dez mil anos atrás e que teria evoluído do animismo. Nas línguas tribais, "vudu" significa "espírito" e essa é a primeira pista para se compreender esta religião misteriosa.
Para os crentes, Deus criou o Homem e deixou-o num mundo material. Paralelo a este, mas invisível, existe o reino dos espíritos, os iwa. Todos - homens, animais, plantas, rochas - estão possuídos por iwa que dão sorte e protegem do mal. Os sacerdotes vudu fazem a ligação entre os dois mundos que têm de estar em equilíbrio. Quando assim não é, acontece uma tragédia.
Para os que acreditam no vudu, o terremoto do Haiti foi uma revolta do outro mundo. Erol Josue, sacerdote vudu, explica que o Haiti é "o espírito de uma mulher". "Quando sentiu dor, ela disse 'basta'. É simbólico. Fomos todos arrasados. Ricos e pobres. O palácio presidencial ruiu, o Parlamento ruiu, a Catedral ruiu. Estamos todos de joelhos."
O vudu chegou à América no século XVI com os escravos vindos do outro lado do Atlântico. Os negros foram convertidos à força ao cristianismo pelos franceses, mas mantiveram secretas as velhas crenças.
Naqueles tempos de exploração, o vudu era uma manifestação política para os escravos. Os historiadores admitem que foi uma cerimónia religiosa a eclodiu a revolta de 1791, que aboliu a escravatura - o Haiti foi o primeiro no mundo a fazê-lo. Treze anos depois, os revoltosos - que segundo um evangelista americano "fizeram um pacto com o Diabo" - conquistaram a independência.
Mesmo depois de expulsarem os franceses, os haitianos continuaram a conciliar o cristianismo com o vudu. Desde então, as cerimónias religiosas começam sempre com preces cristãs e acabam com rituais para adorar as divindades do culto.
Monique Henry, mãe de três filhos, de crucifixo ao pescoço, é a prova viva dessa fusão improvável. "Todos acreditamos em Deus, mas sentimos que o vudu é poderoso" disse ao The Independent. "Acreditamos que as divindades podem-nos proteger de novos perigos."
Os mesmos escravos que importaram o vudu para o Haiti, levaram o culto para o sul da América do Norte - sob domínio francês. Nova Orleães é a capital do vudu nos EUA e para muitos a capital do vudu no mundo. E é fácil compreender porquê. Foi ali que vudu se misturou com o culto hudu, que se confundiu com a magia negra e depois partiu à conquista de Hollywood. Pode dizer-se que foi na cidade do jazz que o vudu se tornou num mito.
D.N.
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