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sábado, 14 de março de 2009

O mundo assombrado por demônios

Em 13.03.03 por Ulisses Capozzoli

“Vão se os anéis, ficam os dedos”.

Esse surrado ditado popular aparentemente foi adotado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para amenizar o mal-estar com a excomunhão da garotinha de 9 anos violentada e engravidada de gêmeos pelo padastro, em Pernambuco.

A garotinha foi submetida a um aborto, com concordância da mãe, temor dos médicos que fizeram a cirurgia de que ela não suportasse a gravidez, e proteção da lei que prevê esse procedimento em caso de estupro.

O arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, que praticamente fez a excomunhão, ao justificar que ela está prevista no direito canônico, teve respaldo de outras autoridades eclesiásticas que deram idêntica justificativa.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que criticou a decisão teve resposta dura de Dom José Cardoso Sobrinho, para quem “Lula não é um bom católico”. Ele recomendou ainda que o presidente consultasse sua assessoria antes de opinar sobre temas que cabem ao direito canônico.

Nos telejornais de ontem, no entanto, membros da CNBB amenizaram que a excomunhão ainda não ocorreu, sugerindo que possa não ser declarada formalmente.

O caso da garotinha excomungada por Dom José Cardoso Sobrinho está repercutindo em toda a imprensa internacional.

Agora, se mudarem de idéia, como os bispos irão justificar que não estão considerando o direito canônico?

Em seu último livro, O Mundo Assombrado pelos Demônios, o astrônomo e divulgador de ciência americano, Carl Sagan, lamentou a impotência da ciência em sensibilizar a natureza humana para consciência e tomada de posição levando em conta critérios de racionalidade e humanismo, entre outros.

Aparentemente Sagan continua com a razão, mesmo depois de uma década de sua morte.

História e vida cotidiana

Em 12/03/2009 por Ulisses Capozzoli

O caso da mãe, médicos e a garotinha de 9 anos, excomungados pelo arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, a propósito de um aborto, se destaca mesmo das previsões mais pessimistas de crise econômica e ambiental para indignar as pessoas.

E enquanto houver indignação há motivos de esperança de que ordenamentos, atitudes, comportamentos ou o que seja, de conteúdos desumanos, possam ser revertidos.

Apenas para não deixar dúvida, o caso envolveu o padastro de 23 anos que abusou sistematicamente da garotinha de 9 anos e de sua irmã com problemas mentais e engravidou a menina de gêmeos.

Os médicos analisaram o caso. Concluíram pelo aborto como forma de salvar a vida da garotinha e tiveram a concordância da mãe.

O arcebispo, no entanto, com base no que pensa a igreja católica, excomungou a todos os envolvidos (incluindo a garotinha, agora duplamente vitimada).

O estuprador? Bem, o estuprador ficou de fora.

Excomunhão, a esta altura do século 21, certamente só não é um anacronismo completo porque há quem considere que ainda tem alguma importância. Mas a decisão ortodoxa, desumana e irreal do bispo, lastreada na legislação canônica, pode ajudar a atirar uma pá de cal sobre esse anacronismo medieval.

Ao longo de toda a Idade Média, quando uma noite de séculos desceu sobre o mundo ocidental, a igreja cristã se auto-intitulou ordenadora do mundo.

Com a Reforma, motivada especialmente pela venda de indulgências, o que hoje seria chamado de pura corrupção, as coisas começaram a mudar. Mas lentamente.

A Reforma, mesmo, não pode ser interpretada fora do contexto da impressão aperfeiçoada por Gutenberg, com a adoção de tipos metálicos móveis, a partir de uma prensa de uva para produção do vinho.

O sistema de Gutenberg popularizou a Bíblia e tirou sua interpretação de centros de poder religioso para disseminá-la por amplas faixas da população medieval.

Estava, assim, criado o ambiente para a ruptura.

Na Península Ibérica, onde a Contra-Reforma incorporou a brutalidade, a Inquisição, o “Santo Ofício” matou e torturou um número desconhecido de pessoas.

Na Itália, mesmo Galileu, a quem homenageamos em 2009 pelos 400 anos do uso astronômico do telescópio, escapou da repressão.

Galileu teve que abjurar o que havia observado no céu, sob pena de ser “posto a ferros”, ou seja, torturado.

A excomunhão da garotinha violentada pelo padrasto e castigada com a excomunhão pela igreja, num caso que está repercutindo no mundo inteiro, é uma evidência de que, de muitas maneiras, a longa noite da Idade Média ainda não se desfez.

Em alguns casos ela continua tão espessa que nenhuma luz se mostra.

Mesmo das estrelas mais luminosas, da ciência e do pensamento humanista.

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