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terça-feira, 17 de março de 2009

‘Roma sempre quer ter razão’, diz teólogo

Hans Küng, um dos maiores pensadores contemporâneos, chega a Madri para apresentar a segunda parte de suas memórias com o título Verdad controvertida, editadas pela Trotta. Trata-se, sobretudo, do relato de suas disputas com a hierarquia católica, em especial com o atual Pontífice romano, Joseph Ratzinger. Os dois trabalharam no Concílio Vaticano IIJoão XXIII como peritos, e mais tarde trabalharam juntos, de maneira muito amistosa, na Faculdade de Teologia de Tübingen (Alemanha). Ambos realizaram um trabalho teológico de grandes proporções, o que os catapultou à fama internacional:
(1962-1965), convidados por

Ratzinger como grande inquisidor, e Küng erigido em referência mundial da ciência teológica, com livros que chegaram a tiragens milionárias.

A entrevista é de Juan G. Bedoya e publicada pelo jornal espanhol El País, 16-03-2009. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Há pessoas que dizem ter sentido “males físicos” lendo o relato de suas tribulações ante Roma. Como é possível que uma instituição que invoca continuamente o amor ainda trate assim muitos de seus melhores teólogos?

Também tive dificuldades para escrever cena após cena. Mas, mesmo que doloroso, era necessário que, em benefício da verdade, ficasse registrado tudo isto, assim como aconteceu desde a perspectiva do afetado. Espero que o leitor não perceba desejo de ajustar contas e desprezo, mas decepção e tristeza. Mesmo dando nome às responsabilidades, quis evitar ataques pessoais e vingativos ajustes de contas.

Na Espanha se disse que quem ri por último, ri duas vezes.

Também na Alemanha. Depois da Sexta-feira Santa vem a Páscoa. Não é à toa que “quem ri por último ri melhor”, para que fique claro quem ganhou. Não. Refiro-me à redimida alegria da Páscoa que me foi presenteado, uma alegria que se funda numa fé alegre e que vem acompanhada da esperança.

As disputas eclesiais parecem uma luta de poder.

Nada porque há disputas; mais, em certas ocasiões convém que elas existam. Disputas pela verdade, claro. Tudo depende dos meios com que se dirime, e se a disputa pela verdade se realiza com veracidade e jogo limpo. Em especial, na Igreja, a disputa pela verdade nunca deveria degenerar numa luta pelo poder, realizada com meios violentos, quer sejam mundanos ou espirituais. Mas de uma ou de outra forma, Roma sempre quer ter razão. Para ela, um único dissidente sem castigo que mostrar que também é possível pensar de outro modo coloca todo o sistema em perigo.

Você, homem famoso e escutado por onde quer que vá, também tem poder.

Está fora de qualquer dúvida que também o cientista tem poder. O filósofo inglês Francis Bacon já formulou isso no século XVIII. Não se trata simplesmente de abolir o poder [do Papa]. Nunca reclamei isso. Seria ilusório na Igreja. Mas é preciso relativizar o poder desde a consciência cristã e para utilizar esse poder não para dominar, mas para servir.

O primeiro volume de suas memórias tem por título Libertad conquistada. O de agora, Verdad controvertida. Falta fazer a memória de seu último terço de sua vida (a partir de 1980, ou seja, quando completa 52 anos). Já tem título para esse período?

Tenho vários títulos in petto. Mas ainda não estão suficientemente amadurecidos para torná-los públicos. Além disso, não sei se não terei que escrever esta última parte de minha autobiografia no céu.

Após a morte de João Paulo II você esperava a escolha de um Papa que retomasse o espírito de João XXIII e do Vaticano II. Foi escolhido Ratzinger. Deixará pegadas?

Joseph Ratzinger não era meu candidato ideal, como ele sabe. Mas, nossa amistosa conversa de quatro horas em Castelgandolfo [residência de verão do Papa] em 2005 despertou em mim a esperança de que não manteria o rumo do inquisidor retrógrado, mas que desenvolveria, na linha do Concílio Vaticano II, ao menos algumas reformas. Entretanto, até o momento o Pontificado decepcionou cada vez mais muitos católicos. Temo muito que, como no caso de Paulo VI e de sua Encíclica Humanae Vitae, de Bento XVI, sejam lembrados sobretudo os seus graves erros.

Há agora menos pressão sobre os teólogos livres do que quando Ratzinger presidia a Congregação para a Doutrina da Fé?

Até agora, só buscou a reconciliação com grupos dissidentes cismáticos, anticonciliares, antiecumênicos e antimodernos da extrema direita. Com as sanções a teólogos como Jon Sobrino e Roger Haight deu continuidade à velha práxis do ex-Santo Ofício. Se realmente estiver tão preocupado com a reconciliação, poderia reconciliar-se, por exemplo, com a Teologia da Libertação latino-americana.

O perdão papal veio para os lefebvrianos, tidos como de extrema direita eclesial.

Já em 1977, o arcebispo cismático Lefebvre disse numa entrevista que “o novo cardeal Ratzinger se propôs a intervir ante o Papa para encontrar uma solução”. Posteriormente, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, manteve um contato interrompido com os lefebvrianos. Sem dúvida, do ponto de vista de sua mentalidade se sente próximo de muitas de suas inquietudes.

Mais próximo deles, em qualquer aspecto, do que de nós, os teólogos reformistas. E considerou que agora havia chegado o momento adequado para suspender a excomunhão. Naturalmente, não ignorava que todo o grupo tinha uma orientação antijudaica e antimoderna. Acreditava que poderia fazer vistas grossas a tudo isso. A indignação mundial o tomou totalmente de surpresa. Agora, toma o assunto de forma muito pessoal, quando teria que responsabilizar-se por ter tomado uma decisão equivocada. Não só teria que admitir os seus erros, mas manter essa excomunhão.

Unissinos


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