Genebra comemora este ano o 500° aniversário de João Calvino, o reformador protestante que contribuiu para a fama internacional e econômica da cidade.
Para muitos, as celebrações programadas não estão à altura do prestígio do teólogo francês e fundador do Calvinismo.Pelos seus escritos e os discípulos que formou, João Calvino iniciou e favoreceu o esplendor internacional de Genebra, uma notoriedade sob as cores do protestantismo que se prolongou até o século XX, como explica Bernard Lescaze.
"A ligação com Calvino motivou o presidente americano Woodrow Wilson a escolher Genebra como sede da Sociedade das Nações (1919), organização antecessora das Nações Unidas", cita como exemplo o historiador genebrino.
O reformador protestante também não chega a ser estranho à criação da Cruz Vermelha. "Seus fundadores, Henry Dunant e Gustave Moynier, estavam absorvidos pela ética protestante", lembra-se Lescaze.
Lescaze ainda acrescenta: "Genebra como cidade-refúgio também é uma herança de Calvino, um refugiado protestante". A Genebra internacional e humanitária deve então muito ao teólogo francês, assim como ao seu próprio mercado financeiro.
Redes econômicas
"Calvino valorizava o trabalho e aceitava que o dinheiro gerasse dinheiro, uma atitude rara na Europa da época. Isso favoreceu a gestão de fortuna e o desenvolvimento dos bancos privados em Genebra", ressalta o historiador Bernard Lescaze.
O setor também se aproveitou das redes de famílias protestantes que se instalaram na cidade acompanhando os passos de João Calvino.
O reformador protestante também modelou, segundo Lescaze, as instituições da cidade de Genebra até sua revolução em 1789. Dessa contribuição subsistiram o Colégio de Genebra (também conhecido como Colégio de Calvino) e a Academia (1559), que deu origem no século XIX à Universidade de Genebra.
Celebração criticada
A questão é que as comemorações genebrinas não estarão à altura do legado de João Calvino. Pelo menos essa é a opinião do jornal local. Ao se referir às importantes celebrações genebrinas de 1909, imortalizadas pela construção do chamado "Muro dos Reformadores", a Tribuna de Genebra estimou que as comemorações não estão à autura do evento.
Um julgamento que incomoda Bernard Lescaze. Em primeiro lugar, o historiador nota que nenhuma celebração chegou a ocorrer em 1709 e em 1809. Além disso, as comemorações de 1909 em Genebra também ocorreram em um contexto particular.
"Ainda bastante religiosa, a cidade acabava de ter vivido uma espécie de traumatismo com a separação da Igreja do Estado (1907). Nesse sentido, o 400° aniversário de Calvino foi então a ocasião de afirmar que a Igreja protestante ainda estava viva, forte e potente, além de reafirmar sua influência espiritual e moral na sociedade".
"No plano demográfico, os protestantes já não eram a maioria em 1909, mas ainda eram majoritários na esfera política e econômica."
Minoria protestante
Hoje a situação é completamente diferente. "A separação entre Igreja e Estado já não causa problema. Os protestantes representam apenas 22 a 25% da população genebrina e sua influência é ainda menor."
"Quanto à forma que as celebrações tomaram, se acreditava em 1909 na duração e ancoragem na história. Por isso era lógico construir um monumento de custo elevado: o Muro dos Reformadores."
"Hoje vivemos um tempo mais lúdico. As comemorações serão feitas de maneira mais branda, mais dispersa", avalia Lescaze.
Turismo histórico
Essa opinião não é compartilhada por Xavier Comtesse. "Não houve suficientemente reflexão sobre a marca realmente deixada por João Calvino. Essas celebrações são de fato pouco atraentes. É uma ocasião perdida, enquanto um número crescente de turistas quer seguir os traços da história e que nossos contemporâneos estão procura de sentidos", julga o diretor do grupo suíço de pesquisas Avenir Suisse.
A Secretaria de Turismo de Genebra já lançou várias atividades de promoção do ano de Calvino no mundo. "Encontramos um vivo interesse nos Estados Unidos", assegura Militza Bodi, encarregada de comunicação. Mas à oferta turística proposta (um pernoite, uma visita guiada e uma entrada no Museu da Reforma) falta ainda um destaque maior.
Certo, a austeridade do personagem e a aridez das suas considerações teológicas parecem estar a milhas de distância do espírito atual. Como prova, os meios genebrinos da autodenominada cultura alternativa batizaram a sua cidade com o nome de "Calvingrad" para denunciar o fechamento da maior parte dos espaços culturais autogestionados e o clima pesado de uma cidade "limpa e ordeira".
Calvino, o reformador
Porém Calvino também tem sua parte na modernidade. "A ortodoxia calvinista não durou muito tempo. Calvino também é a figura de um homem revoltado, que estabeleceu uma ligação direta entre o crente e Deus. Um espírito que ainda continua a soprar nos Estados Unidos e em inúmeras comunidades protestantes, como no Brasil ou na Coréia do Sul", salienta Bernard Lescaze.
Xavier Comtesse ainda acrescenta: "Poderíamos nos questionar quais as liberdades trazidas por Calvino. Ao escolher o francês (ao invés do latim) para as suas obras, ao favorecer o diálogo direto entre os indivíduos e Deus, Calvino pode ser visto como um libertador. Ele teria adorado a internet."
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