A comunidade científica está convencida de que essa tecnologia, baseada no silício, está se esgotando em termos da capacidade de miniaturização. O passo seguinte será a passagem para a nanoeletrônica, em que componentes são construídos em escala nanométrica, mil vezes menores do que os componentes atuais.
Tudo indica que, nessa passagem de escala, quem vai dominar a tecnologia é o carbono, um elemento tão abundante na natureza quanto diverso em termos de propriedades físicas. Sua forma mais comum é o grafite, mas ele também aparece como diamante e até mesmo como material amorfo. Com a descoberta de novas formas de carbono – em especial o fulereno em 1985 e os nanotubos em 1991 –, o interesse pelas suas aplicações tecnológicas cresceu enormemente.
O grafite, material de que vamos tratar aqui, é formado pelo empilhamento de planos atômicos, nos quais os átomos são arranjados em uma estrutura hexagonal similar à de um favo de mel. Desde 1987, esse plano atômico é denominado grafeno. Esse material tinha tudo para não chamar muito a atenção, mas agora se candidata a vedete da nanoeletrônica. Veio para desafiar o silício, destronar os nanotubos e violar teorias consagradas há mais de setenta anos.
Considere o grafeno como se fosse uma folha de papel. Podemos imaginar que essa folha pode ser manipulada para formar uma bola (fulereno) ou um canudo (nanotubo). Se muitas dessas folhas forem empilhadas, teremos o grafite tridimensional. É por isso que os descobridores do grafeno acham-no o máximo. Eles o consideram o elemento básico da família do grafite.
Um processo facilmente imaginado para a obtenção do grafeno seria a clivagem do grafite por intermédio de procedimentos químicos como a introdução de compostos nos espaços entre os planos atômicos. No entanto, os resultados obtidos com diferentes procedimentos nas últimas décadas foram insatisfatórios.
O pulo do gato e o golpe de sorte
Sem qualquer preocupação com esse tipo de problema, Andre Geim e seus colaboradores no Departamento de Física da Universidade de Manchester (Inglaterra) divertiam-se com um daqueles experimentos de “sexta-feira à noite”. Para relaxar, eles costumavam dedicar 10% do tempo para a realização de experimentos extravagantes, sem qualquer compromisso com a qualidade do resultado.
Corria o ano de 2002, e o trabalho sério que eles realizavam tinha a ver com propriedades magnéticas de materiais supercondutores. Decidiram investigar, no tal tempo livre, o uso do grafite como material em dispositivos eletrônicos, algo que ninguém havia tentado. Eles teriam que preparar um filme fino de grafite, mas não tinham idéia de como fazê-lo.
Por coincidência, eles tomaram conhecimento de um procedimento muito usado para limpar superfícies de grafite para análise em microscópio de tunelamento. A limpeza era simplesmente feita com fitas adesivas. Era o famoso “método da fita Scotch”. Gruda-se a fita na superfície e puxa-se. Repetindo-se a operação várias vezes, o resultado é uma superfície limpinha.
O pulo do gato foi usar esse método: o que fica na fita deve ser um filme fino de grafite. O golpe de sorte veio em seguida. O grafeno é um material muito difícil de ser observado. Só pode ser visto se depositado em determinado substrato. Geim e seus colaboradores não sabiam que a fita continha o grafeno, nem que ele só podia ser visto se depositado em silício oxidado, o tal substrato. Ocorre que o único material que eles tinham no laboratório para depositar o “filme de grafite” era justamente silício oxidado! E foi assim que, entre 2002 e 2003, o grafeno foi isolado e observado pela primeira vez.
Propriedades peculiares
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Nos materiais semicondutores, há um fenômeno parecido: a condução elétrica pode vir do movimento de elétrons livres num sentido ou de lacunas no sentido contrário. Não se preocupe se você não entende o que seja uma lacuna; é um conceito complexo, mas é suficiente ter em mente que essa entidade se comporta como uma partícula positiva. É por isso que ela se movimenta no sentido contrário ao do elétron.
Vamos adiante com a metáfora. Nos semicondutores, elétrons e lacunas movimentam-se em “pistas” diferentes, denominadas banda de condução (para os elétrons) e de valência (para as lacunas). Também na “autoestrada” atômica há um espaço entre as pistas para impedir a passagem de elétrons e lacunas de um lado para o outro. Esse espaço é conhecido como “banda proibida”.
Todos os materiais têm elétrons na banda de valência, mas só os condutores têm elétrons livres em ambas as bandas – por isso são condutores. Normalmente os semicondutores não têm elétrons livres na banda de condução, mas, dependendo das condições físicas (temperatura, campo elétrico externo etc.), elétrons na banda de valência podem saltar para a banda de condução e produzir corrente elétrica nos semicondutores. Uma das principais características de um semicondutor, determinante para sua facilidade de conduzir eletricidade, é a largura da banda proibida. Um dos processos tecnológicos mais importantes refere-se à manipulação dos materiais para alterar essa largura.
O que diferencia o grafeno de todos os materiais descobertos até o momento é que ele tanto pode ser considerado semicondutor como condutor. Mas por quê? Pelo fato de, em alguns pontos, a banda proibida ter largura nula. Ou seja, a banda de condução tangencia a de valência.
Além dessa propriedade única, no grafeno os elétrons movimentam-se com velocidades extraordinariamente altas e podem executar movimento balístico ao longo de uma distância muito grande, comparada com os materiais semicondutores usuais, como o silício. O termo movimento balístico refere-se ao movimento que não apresenta desvio em consequência de choques com outros elétrons. São essas propriedades que fazem do grafeno um candidato tão promissor para o desenvolvimento de dispositivos nanoeletrônicos.
É claro que a potencialidade para aplicações tecnológicas é um apelo forte, mas é provável que o principal interesse despertado pelo grafeno na comunidade científica tenha sido o fato de que, pela primeira vez, um material possibilitou a conexão entre física da matéria condensada, física de partículas e eletrodinâmica quântica. É uma história fascinante, mas longa demais para ser contada aqui.
No balcão da loja
Mas, afinal, já temos algum produto comercial feito com grafeno? Calma, ainda não. Na opinião de Andre Geim, o descobridor desse material, microprocessadores de grafeno só deverão aparecer daqui a vinte anos. No entanto, existem muitas possibilidades de sua utilização em produtos comerciais.
Telas para TV a plasma, sensores para gases, células fotovoltaicas, baterias e células para armazenamento de hidrogênio são alguns dos artefatos que poderão ser fabricados com grafeno dentro de pouco tempo. Grandes corporações como HP, IBM e Intel já estão orientando suas atividades e financiando projetos de pesquisa para a fabricação de transistores à base do novo material.
Uma grande vantagem do grafeno em relação a seus “irmãos”, os nanotubos, é que ele pode ser manipulado com a mesma tecnologia atualmente utilizada para o silício. No final de 2008 a IBM anunciou a construção de um transistor de grafeno que opera na freqüência de 26 gigahertz, uma façanha extraordinária. Eles acreditam que poderão chegar à escala do terahertz. É o caminho para processadores com velocidades inimagináveis. Carlos Alberto dos Santos
Colunista da CH On-line
Professor aposentado pelo Instituto de Física
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
27/02/2009
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