Brasília - A anunciada transparência das notas fiscais dos gastos dos deputados com a verba indenizatória, iniciada este mês, mostra que as despesas vão além da atividade legislativa. Sushi, pizza, TV a cabo e churrascaria estão na lista de ressarcimento. Só na primeira semana deste mês, os deputados do Rio Arnaldo Vianna (PDT) e Alexandre Santos (PMDB) gastaram de uma só vez, cada um, R$ 4.500 em gasolina, pagos com recursos públicos. Isso é exatamente o limite de 30% dos R$ 15 mil mensais da verba indenizatória, considerando o valor anual de R$ 180 mil. Vianna adquiriu no Posto Líder, em Campos dos Goytacazes, combustível suficiente para encher o tanque de um Vectra aproximadamente 33 vezes, ou 44 vezes se o veículo for a álcool. Santos gastou os R$ 4.500 em gasolina no Posto Progresso, no Centro de Itaboraí.
Marina Maggessi vai a restaurante japonês. Foto: João Laet / Agência O DIA
Apesar de no início do mês o primeiro secretário da Câmara, Rafael Guerra (PSDB-MG), ter anunciado aos parlamentares proibição do pedido de ressarcimento de gastos com alimentação em Brasília, o deputado Índio da Costa (DEM-RJ) comeu sushi na Asa Sul e enviou a conta para a Casa. No Rio, ele vai à Capricciosa de Copacabana por conta da Câmara. Dr. Adilson Soares (PR) mandou a conta do Giraffas do Setor de Clubes, e Vinicius de Carvalho (PTdoB) enviou a da churrascaria Porcão. Eduardo Lopes (PSB) usa a verba para pagar padaria e o restaurante a quilo do Congresso. A deputada Marina Maggessi (PPS) aproveita a proximidade do seu gabinete na Barra com o Botequim Informal, o Ponto da Barra e o Sushi Jardim Oceânico para gastar a verba. Os gastos com assinatura de TV de Geraldo Pudim (PMDB), Neilton Mulim (PR), Solange Amaral (DEM) e Edmilson Valentim (PCdoB) também são custeados, a R$ 800 o grupo, por mês. Fora do Rio, vale ressaltar o gasto de R$ 26 mil — só em abril — de Aníbal Gomes (PMDB-SE), Marcelo Serafim (PSB-AM) e Carlos Bezerra (PMDB-MT) com aluguel de jatinhos. Os deputados do Rio foram procurados por O DIA, mas não retornaram as ligações.
Os escândalos envolvendo as cotas parlamentares tiram o sono até do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), que também teve seu nome citado na farra das passagens. Ontem, em pleno feriado, ele se reuniu com líderes partidários e deve anunciar em alguns dias o fim da verba indenizatória, pois não consegue moralizar os gastos.
Os voos dos deputados continuam na pauta dos escândalos. Até mesmo ministro do Tribunal de Contas da União, responsável por fiscalizar os gastos públicos, pegou carona na cota de passagens. O ministro Augusto Nardes ganhou viagem do deputado José Otávio Germano (PP-RS). O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio, Wadih Damous, disse que a entidade provocará o Ministério Público Federal para obrigar os parlamentares a devolver aos cofres públicos o valor correspondente às passagens que não foram usadas por motivo de trabalho.
Salário de deputado pode ir para R$ 24 mil
No olho do furacão, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), suspendeu o feriado e convocou líderes para estabelecer a pauta da reunião de hoje, que discutirá mudanças nas cotas de benefícios dos parlamentares. Ganhou força a tese de incorporar parte da verba indenizatória e aumentar o salário dos deputados de R$ 16 mil para R$ 24 mil — teto do Poder Judiciário.
Mas, antes, Temer deve enviar proposta que muda lei que atualmente vincula o salário dos deputados federais a dos parlamentares estaduais e ao dos vereadores. Sem essa mudança, os representantes estaduais e municipais poderiam pleitear vencimentos de R$ 18 mil e R$ 13.500, respectivamente, gerando efeito cascata nas contas públicas.
A Câmara também estuda a adoção de uma cota única, gerenciada com um cartão corporativo, com detalhamento dos gastos em tempo real, na Internet.
‘UM DIA É PASSAGEM, O OUTRO É VERBA. É PRECISO MELHORAR’
ACM NETO (DEM-BA), CORREGEDOR DA CÂMARA
Foto: ACM Neto diz que busca um ‘ponto razoável’. Foto: Banco de imagens
1. Há notas de R$ 4.500 em combustível. Isso é bom uso dos recursos?
Precisamos aperfeiçoar os mecanismos existentes. Porque, se não, um dia é passagem, outro dia é verba indenizatória. Nós temos que debater como encontrar a forma ideal.
2. Acabar os gastos é a forma ideal?
É preciso estabelecer o necessário para o exercício da atividade parlamentar e o que é razoável do ponto de vista econômico.
3. Como a Corregedoria está atuando?
A Corregedoria age, geralmente, quando é acionada, em um caso específico. Mas tenho contribuído com o presidente Temer para aperfeiçoar os mecanismos existentes.
4. É difícil apontar como transgressão práticas antigas dos parlamentares?
Trabalhamos sempre em cima do regulamento interno. Todos os processos nessa gestão e na gestão anterior estão sendo avaliados. Quando eu cheguei, tinha uma grande quantidade de processos atrasados.
5. A transparência dos gastos coíbe o mau uso dos recursos públicos?
Sim, muito. Um ato da Mesa Diretora nos permitiu dar mais transparência aos processos. Foi uma vitória. Atualmente os processos podem ser públicos. Somente em casos muito específicos são sigilosos.
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