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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Obama, direitos civis e raça

A vitória de Barack Hussein Obama nas últimas eleições presidenciais norte-americanas é um acontecimento aberto a muitas interpretações. Na verdade, todos os eventos históricos – para desespero da cultura científica positivista – o são. O suíço Jacob Burckhardt (1818-1897), um dos mais célebres historiadores no século 19, tão marcado pela busca de leis científicas certas e rigorosas, já afirmava que, em se tratando de narrativa histórica, a perspectiva do narrador faz enorme diferença. Não há objetividade, mas esforço de objetivação. Dificilmente um evento será narrado e interpretado do mesmo modo por dois historiadores dignos do métier.

Barack Obama, presidente eleito dos Estados Unidos (foto: change.gov).
O que faz da eleição de Obama um evento distinto é, para além de sua abertura a múltiplas interpretações, a amplitude dos impactos a ele associados, na história norte-americana e mundial. Não importa que os próximos anos sejam marcados pela inevitável fatura que o realismo cobrará dos utopistas. Tal futorologia negativa é, no entanto, inócua: a vitória de Obama já produziu efeitos importantes nas configurações políticas de seu país e, dada a posição por ele ocupada, em escala planetária.

Um dos pontos possíveis a destacar é o da presença na memória e na política norte-americanas das marcas da Guerra Civil (de 1861 a 1865). Os mapas eleitorais mostram que as regiões nas quais o republicano John McCain venceu correspondem aproximadamente aos antigos estados confederados e escravistas, que se opuseram a Abraham Lincoln e a sua política de combate à escravidão, nos anos 60 do século 19.

Outro mapa mais ‘fino’ revela em que áreas do país o eleitor manifestou-se mais democrata ou mais republicano do que nas eleições anteriores: a mancha vermelha dos republicanos concentra-se no núcleo duro dos estados confederados: Texas, Alabama, Louisiana, Mississipi, Georgia. O país tornou-se mais conservador em seu núcleo duro confederado. Nas demais, houve crescimento do eleitorado democrata, mesmo em distritos nos quais o partido foi derrotado. São os ecos nostálgicos do supremacismo racial, tão caros aos conservadores que Saxby Chambliss, senador republicano pela Georgia, declarou, ao observar a participação na votação antecipada de grande número de eleitores negros: “Os outros sujeitos estão votando.”

Por outro lado, se tomarmos a Guerra Civil como referência, um longo processo de democratização se torna visível. Tal percepção ajuda a compreender a magnitude da vitória de Obama. Com o fim da Guerra Civil, uma série de emendas constitucionais redesenhou o país: a 13a emenda (1865) suprimiu a escravidão, a 14a (1868) garantiu a todos os cidadãos igual proteção legal e a 15a (1870) proibiu a utilização de critérios raciais para acesso a direitos políticos.

Tais emendas marcaram, na história norte-americana, o início de um amplo processo de democratização, aprofundado em 1920 com a 19a emenda, que estendeu às mulheres o direito de voto. O passo decisivo, contudo, foi dado em 1964 e em 1965, durante o governo Lyndon Johnson (de 1963 a 1968), com o Ato dos Direitos Civis e o Ato dos Direitos Eleitorais. O primeiro eliminou as chamadas ‘leis Jim Crow’, pelas quais municípios e estados impunham a segregação racial em espaços públicos. O segundo expandiu a participação eleitoral de negros e brancos pobres, ao eliminar os humilhantes e discricionários testes de alfabetização exigidos para o alistamento.

Sem esses antecedentes a vitória de Obama seria impensável. É certo que questões e acontecimentos mais imediatos, como os associados ao desempenho do governo Bush e ao impacto da crise financeira, tiveram seu papel. No entanto, é sempre importante indagar nos eventos históricos a respeito da presença de fatores e processos de longa duração.

O tema do racismo, no entanto, não deve ser exagerado. Afinal, Barack Obama jamais se apresentou como ‘candidato dos negros’ e recusou-se a adotar uma plataforma racialista, calcada na percepção do país como dividido em raças opostas. Com efeito, um dos traços mais notáveis e inovadores de sua campanha foi a visão da incompatibilidade entre a democracia e a crença de que somos racialmente distintos.

Renato Lessa
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(Universidade Candido Mendes)
e Universidade Federal Fluminense
rlessa@iuperj.br

http://cienciahoje.uol.com.br/134718

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