João Mário Góes Há relatos de jovens que passaram 48 horas conectados e desenvolveram quadros de fobia social |
Muitas das pessoas que abusam estariam passando por problemas de auto-estima e familiares, acentua psicólogo Cristiano Nabuco |
Recente ranking divulgado pelo IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau Brasil) afirma que os brasileiros são os campeões mundiais em permanência na internet. Com 23 horas e 51 minutosmensais dedicados a surfar nas ondas virtuais, os internautas tupiniquins aparecem à frente de franceses e norte-americanos, por exemplo. No universo que aponta projeções de 25 milhões de usuários únicos até o final de 2008, soa o alerta: muitos brasileiros podem estar desenvolvendo quadros de dependência de internet.
O uso da internet encarado como patologia já não é novidade em países da Ásia. E adquire contornos idênticos em solo verde-amarelo, tendo tratamento. É o que explica Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (AMITI), integrado ao Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de São Paulo.
Em entrevista à FOLHA, o psicólogo lista os efeitos negativos da exposição em excesso ao universo do www e sugere o uso saudável da ferramenta de trabalho e comunicação. Aviso aos internautas de plantão: não será necessário jogar seus computadores pela janela. Confira.
Por que os brasileiros buscam tanto a internet? Afinal, segundo o IAB, ficamos quatro horas a mais conectados que os norte-americanos, por exemplo...
A percepção que se tem é que as pessoas buscam a internet como forma de se proteger das experiências do dia-a-dia, do cotidiano.
Então podemos dizer que essa legião de brasileiros que criam contas no Orkut, MSN e demais redes de relacionamento estão fugindo da realidade?
O que observamos é que, dentro da rede, não existe a crítica que a vida real daria a essas pessoas. À medida que ficam conectados, de uma forma ou de outra, os internautas podem mudar suas características pessoais, no sentido de se apresentar de uma maneira distinta, criando outra perspectiva de enfrentamento dos problemas, de forma bastante diferente ao que seria na realidade.
A pessoa dependente da internet é necessariamente mais infeliz?
Não, nem sempre. O que vemos é que muitas das pessoas que acabam entrando na internet dessa forma mais abusiva estariam passando circunstancialmente por um problema maior, seja de auto-estima, familiar, ou dificuldade de envolvimento social. Existe algum aspecto que é pontual e empurra o indivíduo para esse limbo. Ele não só seria depressivo, mas abusivo, de forma a perder totalmente o controle.
O vício de internet no Brasil é um problema de saúde pública?
Ainda não. Alguns países que tiveram o advento da internet anteriormente ao Brasil já criaram outra explicação para a dependência de internet. Por lá, não é só a dependência de internet, mas a dependência de cybercafés virtuais. Na Coréia do Sul, as lan houses têm um horário de funcionamento e não podem avançar a partir de determinada hora da noite, exatamente para coibir esse tipo de uso que está sendo feito por lá. No continente asiático, o uso em excesso da internet já é um problema de Saúde Pública, aqui ainda não. É muito difícil você combater algo num país onde nem se tem noção do problema, como ocorre no Brasil.
Proibir ou restringir o uso da internet é a solução?
Não. Mas precisamos ficar atentos às possíveis consequências, como já vimos relatos que jovens passaram quase 48 horas conectados e desenvolveram quadros de fobia social.
A fobia social é o efeito mais nocivo dessa exposição?
Não somente. Uma das características que descreveríamos, hoje, como um dos elementos que dão sustentabilidade à auto-estima da pessoa é a capacidade dela tolerar a frustração e a capacidade para reverter as coisas do ambiente que não estão bem. Na internet, percebemos que isso deixa de existir. O indivíduo se frustra, aperta o delete e apaga qualquer possibilidade de enfrentamento.
No AMITI, como funciona o tratamento para a dependência da rede virtual?
O tratamento tem duração de 18 semanas e os pacientes são encaminhados para psicoterapia de grupo e acompanhamento psiquiátrico, no caso de ser detectada alguma depressão, fobia social. Na psicoterapia, temos como objetivo expor esses indivíduos a outros que tenham o mesmo problema e, à medida que o tempo passa, essa psicoterapia vai ensinando os indivíduos a desenvolver novamente o controle e um uso saudável. A idéia não é fazer com que esses pacientes joguem o computador pela janela ou acabem banindo a internet de suas vidas. Sabemos que isso é praticamente impossível. A questão gira em torno de os usuários não se tornarem vítimas ou reféns da tecnologia.
Folha de Londrina
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