Órgão internacional que orienta decisões de governos sobre mudanças climáticas é parcial, diz estudo.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) pode não ser tão neutro como se apresenta, segundo pesquisa da Universidade de São Paulo (USP). Com base na análise do último relatório da entidade, o estudo concluiu que suas avaliações são norteadas por interesses econômicos e que suas constatações são mais favoráveis aos países desenvolvidos.
O IPCC é um órgão internacional, criado em 1988, responsável por alimentar com dados científicos as discussões políticas sobre as mudanças climáticas no mundo e apresentar aos governos quais medidas são mais efetivas frente a realidades como a do aquecimento global. Aberto a todos os países que fazem parte da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o IPCC conta com cientistas de todo o mundo atuantes em diferentes linhas de pesquisa para elaborar relatórios a cada cinco ou seis anos.
O último relatório, divulgado em 2007, foi o objeto da pesquisa do cientista político Petronio De Tilio Neto, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, para avaliar a neutralidade apresentada pelo IPCC como uma de suas características principais. Para o pesquisador, a idéia presente no relatório de fixar um valor a ser pago pela emissão de gases do efeito estufa no setor energético é um exemplo de como a economia guia as avaliações do órgão internacional.
Tilio Neto diz que a idéia de dar preço às emissões de gás carbônico não se opõe ao crescimento econômico, já que não obriga os países a cortá-las de uma vez. “As nações devem somente mudar as matrizes energéticas, o que não vai contra o modelo liberal. O relatório não enfatiza, por exemplo, os benefícios de se usar menos o carro”, explica. E acrescenta: “Mais do que o incentivo a tecnologias não poluentes, o que está por trás é uma demanda do mercado por produtos limpos, verdes. Essa saída, por coincidência ou não, favorece os países mais desenvolvidos.”
Países menos desenvolvidos são prejudicados
Tilio Neto ressalta que as medidas sugeridas pelo IPCC permitem que os países desenvolvidos transfiram os prejuízos do combate ao aquecimento global para nações com menor poder econômico.
Em relação à diminuição das emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, as nações mais ricas têm a possibilidade de financiar essa redução em outros países para gerar créditos de carbono e, assim, atingir suas próprias metas. Essa relação ocorre geralmente com países subdesenvolvidos, que têm que lidar com os entraves que os projetos colocam para seu crescimento econômico, enquanto o desenvolvimento das nações mais ricas continua baseado em práticas que prejudicam o meio ambiente.
“É uma negociação desigual. Quem estabelece o valor a ser pago pela quantidade de gás carbônico que deixa de ser emitida são os países mais ricos”, lamenta Tilio Neto. Além disso, não há preocupação com as conseqüências das intervenções nas nações subdesenvolvidas. “Se é feito um reflorestamento, por exemplo, o destino da população que vive na área nem sempre é levado em conta e a atividade econômica exercida na região pode ser interrompida. Nem sempre se faz um reflorestamento sustentável. Enquanto isso, a economia dos países desenvolvidos pode seguir seu curso, sem ser diretamente afetada”, argumenta o cientista político.
Segundo o pesquisador, a fixação de um preço para o meio ambiente reforça a posição de que é o mercado – e não a mudança nos hábitos de consumo – que pode conseguir salvar o mundo.
Tilio Neto alerta que, antes de analisar as propostas do IPCC, é preciso ter consciência de que a entidade não é neutra como se diz. “Para ser imparcial, o IPCC deve levar mais em conta outros fatores, como as populações nativas, os direitos humanos e outras formas de valoração, como a cultural e a histórica, além da econômica”, defende.
http://cienciahoje.uol.com.br/130840
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