Portador do vírus da Aids, o ex-seminarista Claudemir Antonio Galhardi, 40 anos, processa a Igreja Católica, acusando-a de ter cometido discriminação ao tornar pública sua condição de soropositivo e impedir sua ordenação sacerdotal. Galhardi, que era seminarista em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, teria revelado sua condição em confissão a um dos padres, que, por sua vez, teria espalhado o segredo entre religiosos e leigos.
A ação de danos morais, que é movida contra Diocese de São José do Rio Preto e dois padres locais, corre em segredo de Justiça e pede indenização de R$ 960 mil. Na noite de quinta-feira, o juiz da 5ª Vara Cível de Rio Preto, Lincoln Augusto Casconi, negou o pedido de Galhardi, alegando que ele não apresentara provas de que a Igreja cometera a discriminação. As advogadas de Galhardi prometeram recorrer ao Tribunal de Justiça.
Segundo Galhardi, sua condição de soropositivo foi revelada em confissão sacramental feita em 1998 a um padre da Diocese de Rio Preto. "Mas o padre quebrou uma das regras do Direito Canônico, que é manter o sigilo da confissão. Com isso, este padre repassou a informação a outros setores da igreja, incluindo o bispo e o reitor do seminário que meu cliente freqüentava. O padre também teria revelado o segredo às diretorias paroquianas, formadas por pessoas da sociedade local, que, por sua vez, também teriam espalhado entre os fiéis", disse a advogada do ex-seminarista, Miryam Baliberdin.
"O reitor contou para os seminaristas, que fizeram boicote para me expulsar; na rua ouvi frases como 'lá vai o aidético que queria ser padre'", afirmou Galhardi. "O reitor do seminário me disse que eu não seria ordenado por ser portador do vírus da Aids: 'Você seria um excelente sacerdote, não fosse sua doença'", disse Galhardi.
Expulso do seminário de Rio Preto, Galhardi ameaçou entrar com ação contra a igreja para continuar no seminário, mas antes disso a igreja o transferiu para outro seminário, em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, e lhe pagou um plano de saúde. Porém, ao concluir o curso de teologia, em 2000, ele tentou a ordenação, mas naõ a obteve nem em Rio Preto nem em outras dioceses.
"Passei anos tentando e nunca consegui a ordenação. As dioceses ligavam para Rio Preto e desistiam. Além disso, nunca me entregaram a certidão de conclusão do curso de teologia. Por isso, não pude nem dar aulas de filosofia e teologia em escolas. Fiquei sem profissão e na rua", afirmou.
Galhardi diz que a situação o deixou com depressão por dois anos. Somente em 2005, depois de freqüentar um curso em técnico de hotelaria, foi que ele conseguiu emprego num hotel de Rio Preto, onde trabalha até hoje "com o consentimento do meu patrão, que conhece minha condição de soropositivo".
A decisão de primeira instância da Justiça decepcionou Galhardi e sua advogada.
"O juiz não entendeu nosso pedido. Ele julgou como se fosse uma ação trabalhista e não é este o caso. Não queremos a ordenação do nosso cliente. Não se trata disso. O que a ação quer é reparação pelos danos causados a ele. A igreja quebrou uma regra prevista no direito canônico e divulgou para toda a sociedade a condição do meu cliente, causando a ele uma discriminação que o prejudicou por mais de oito anos de sua vida", explicou ela, acrescentando que espera a reformulação da decisão em segunda instância.
Autorizado pela igreja a falar sobre o assunto, o advogado Flávio Thomé, disse que a igreja pode ordenar quem desejar. "É um direito soberano do bispo, particular da igreja e a Diocese ainda o transferiu para outro seminário, mas nunca prometeu a ele que iria ordená-lo", afirmou Thomé.
"O reitor do seminário nunca o discriminou, em nenhum momento disse que ele não servia porque era soropositivo e o autor não conseguiu provar a discriminação", disse Thomé. De acordo com o advogado o padre não ouviu Galhardi em confissão. "Já havia notícias de sua condição de soropositivo, pois ele (Galhardi) já havia revelado para outras pessoas que era portador do vírus da Aids", afirmou.
O juiz Lincoln Casconi não quis comentar o assunto, alegando segredo de Justiça. "O que tenho a dizer é o que está na minha decisão. Se a defesa acha que cometi erros, cabe a ela provar isso no recurso", disse.
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