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domingo, 9 de novembro de 2008

Moltmann, o maior teólogo cristão vivo. Entrevista especial com Josias da Costa Junior

9/11/2008

No final do último mês de outubro, o renomado teólogo alemão Jürgen Moltmann esteve no Brasil, participando de uma série de atividades na Universidade Metodista de São Paulo, onde recebeu também o título de Doutor Honoris Causa. Moltmann inclusive concedeu, da Alemanha, antes de vir ao Brasil, uma entrevista à IHU On-Line, publicada na edição número 280, de 03-11-2008.

Quem participou do encontro com Moltmann e pôde conversar com ele, entre outros, foi o teólogo e professor Josias da Costa Junior, do Centro Universitário Metodista Bennett, Rio de Janeiro. Especialista em Moltmann, Josias concedeu a entrevista que segue à IHU On-Line, por e-mail.

Segundo ele, “a guerra e o pós-guerra, para Moltmann, foram oportunidades de se colocar seriamente a questão sobre Deus, que até então não o tocava. Nos campos de prisioneiros, experimentou o colapso de suas certezas, e a partir desse colapso encontrou uma nova esperança na fé cristã”, afirma Josias. Ele lembra que, para Moltmann, a pergunta era: “Como não falar de Deus depois de Auschwitz? Naquele contexto, ele conheceu Jesus abandonado e clamando por Deus, e percebeu que seria entendido por ele. Um Deus que conhece o sofrimento pode entender quem sofre”.

E conclui enfatizando que “o pensamento teológico de Jürgen Moltmann é importante, entre outros motivos, por causa da abrangência temática (política, ecológica, étnica, gênero, ética etc.), por ser uma teologia que tem preocupação com a vida integral (humana e não humana) e principalmente por fazer teologia não apenas com a razão, mas também com o coração, com a alma”.

Josias da Costa Júnior é doutor em Teologia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre em Ciências da Religião, pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), e graduado em Teologia, pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. Sua tese de doutorado intitula-se O Espírito criador. A ecologia na teologia trinitária de Jürgen Moltmann, enquanto sua dissertação de mestrado leva o título Celebração da vida. Vitalidade e mística na pneumatologia trinitária em Jürgen Moltmann. Atualmente, é professor no Centro Universitário Metodista Bennett, do Rio de Janeiro. É co-organizador de Religião em diálogo: considerações interdisciplinares sobre religião, cultura e sociedade (Rio de Janeiro: Horizonal, 2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é a importância da obra e do pensamento de Moltmann para a teologia do século XX?

Josias da Costa - Afirmei em algumas oportunidades que Jürgen Moltmann é a figura mais importante da Teologia Protestante atual, e uma das mais importantes da teologia do século XX. Contudo, em um encontro histórico que participei no dia 27 de outubro de 2008, no Centro Universitário Metodista Bennett (RJ), com Rubem Alves, Leonardo Boff e Jürgen Moltmann, Boff foi contundente ao afirmar que “Moltmann é o maior teólogo cristão, vivo”. Nascido em Hamburgo (Alemanha) em 1926, Moltmann começou a estudar teologia quando era prisioneiro de guerra na Escócia. Essa experiência da guerra – um aspecto muito ressaltado por ele em sua conferência no Bennett, dia 28/10/2008 – o fez refletir sobre a condição humana, assim como muitos o fizeram. Sua primeira grande obra, Theologie der Hoffnung (Teologia da esperança), de 1964, trata de um pensamento que refletia o cenário teológico europeu do alvorecer dos anos de 1960. A guerra e o pós-guerra, para Moltmann, foram oportunidades de se colocar seriamente a questão sobre Deus, que até então não o tocava. Com isso, sua teologia tem fortes marcas autobiográficas. Nos campos de prisioneiros, experimentou o colapso de suas certezas, e a partir desse colapso encontrou uma nova esperança na fé cristã.

Para Moltmann, a pergunta era: como não falar de Deus depois de Auschwitz? A partir disso, um aspecto de grande importância é a impossibilidade de se falar de Deus a partir de idéias tradicionais, de um Deus distante, imutável, onipotente. Naquele contexto, ele conheceu Jesus abandonado e clamando por Deus, e percebeu que seria entendido por ele. Um Deus que conhece o sofrimento pode entender quem sofre.

Outro aspecto é que sua teologia é contextual – ainda que a contextualidade seja assumida por ele de modo diferente que a teologia da libertação latino-americana assumiu naquela época. Essa marca contextual mostra que sua teologia é inovadora na esfera européia por buscar maior vínculo com a história (mais do que era comum à teologia européia). Nesse sentido, ele foi um dos teólogos europeus que apresentou maior afinidade com as teologias emergentes: a negra, a política, a feminista, a da libertação. É preciso dizer aqui que esse é um período do seu pensamento que foi caracterizado como “Trilogia da Esperança”, que começa em 1964 e vai até 1975. Em 1977, numa conferência com teólogas e teólogos da Teologia Negra, da Teologia da Libertação e da Teologia Feminista, Moltmann identifica-se profundamente com esses grupos e se enche da certeza de que seu trabalho deveria se voltar para o futuro dos povos e da terra, abrindo-se, portanto, ao movimento ecológico. Iniciou, com isso, um segundo projeto que ele mesmo qualificou como Systematische beiträge zur Theologie (Contribuições sistemáticas para Teologia), cuja obra inicial é Trinität und reich Gottes (Trindade e Reino de Deus), de 1980, seguido de Gott in der schöpfung (Deus na criação), de 1985; Der weg Jesu Christi (O caminho de Jesus Cristo), de 1989; Der Geist des lebens (O Espírito da vida), de 1991; Das kommen Gottes (A vinda de Deus), de 1995; e, finalmente, Erfahrungen theologischen Denkens (Experiências de reflexão teológicas), de 1999.

Portanto, o pensamento teológico de Jürgen Moltmann é importante, entre outros motivos, por causa da abrangência temática (política, ecológica, étnica, gênero, ética etc.), por ser uma teologia que tem preocupação com a vida integral (humana e não humana) e principalmente por fazer teologia não apenas com a razão, mas também com o coração, com a alma.

IHU On-Line - Podemos verificar continuidades e descontinuidades entre o primeiro e o segundo Moltmann? O senhor pode descrever as principais características entre o primeiro e o segundo Moltmann?

Josias da Costa - Sim. No primeiro Moltmann – o da Trilogia da Esperança (1964-1975) –, os temas fundamentais que emergem são promessa e esperança, escatologicamente suscitadas pela dialética entre a cruz e a ressurreição de Jesus. A missão da Igreja está entre a promessa dada na ressurreição de Jesus e o seu cumprimento no futuro escatológico. Através da missão da Igreja, o mundo já é afetado na antecipação da nova criação e começa a ser transformado em direção da sua promessa de transformação escatológica. Com isso, essa trilogia parte da Páscoa e do fundamento da esperança cristã, segue uma via teológica desde a paixão de Deus, o Pentecostes e a missão do Espírito.

Nesse período da Trilogia da Esperança, Moltmann insistia na ressurreição do Crucificado e acentuava a cruz do Ressuscitado. Contudo, ele sentiu falta da missão do Espírito, pois as perspectivas anteriores se mostravam incompletas. Então, após um período de transição, ele propõe um novo começo de reflexão teológica – as “Contribuições” (1980-1999). Trata-se de uma releitura dos grandes temas da sua “escatologia da esperança”, que ele redimensionada para o diálogo ecumênico e perpassada pela pneumatologia trinitária e pela perspectiva ecológica. Assim, o Moltmann das duas últimas décadas leva mais adiante as relações entre as pessoas divinas dentro do círculo trinitário.

IHU On-Line - Quais são as releituras que Moltmann aconselha para que a teologia possa avançar?

Josias da Costa - Considero que uma das grandes possibilidades abertas por Moltmann é de fazermos uma releitura da teologia pelo viés pneumatológico. Refletir sobre o Espírito Santo deve nos conduzir a um diálogo com variadas formas de articulação do discurso teológico e com experiências de grande profundidade com toda a vida. É interessante perceber que em nosso contexto latino-americano há um espetacular avanço do pentecostalismo e do movimento carismático. Por isso, é importante que haja uma releitura teológica desses movimentos, a fim de se perceber as imagens de Deus que dali emergem. Moltmann já afirmou que esses movimentos do Espírito também deflagraram transformações significativas na teologia cristã.

IHU On-Line - Qual é o ponto de partida da pneumatologia de Moltmann?

Josias da Costa - Em sua obra O Espírito da vida, Moltmann afirma que sua pneumatologia trinitária parte da experiência e da teologia do Espírito Santo. Isso significa ir além dos limites da teologia da Igreja, que é a teologia produzida pelos pastores e padres. A experiência como ponto de partida é a teologia de todos (as) – ou, como ele afirma, “teologia de leigos” –, e isso significa uma ampliação dos espaços onde a vida se faz e se refaz; significa estender os espaços de comunhão com o Espírito. Para ele, experiência de vida é experiência de Deus. Ou seja, toda experiência cotidiana resguarda um fundo transcendente; é como se vida fosse então o outro nome de Deus, assim, celebrar a vida é celebrar a Deus.

IHU On-Line - Que relação existe entre a proposta pneumatológica de Moltmann e o diálogo ecumênico?

Josias da Costa - A proposta da pneumatologia de Moltmann – assim como toda sua proposta teológica – é dialogal, desenvolvida em comunhão ecumênica com as teologias das Igrejas cristãs. Assim, todos os temas da tradição cristã, inclusive a pneumatologia, são pensados de maneira ecumênica. Ele se vale de fontes das tradições ortodoxa e romana, também de fontes evangélicas e fontes judaicas, esta serve para ampliar seu diálogo judeu-cristão. Para ele, o fato de as Igrejas ortodoxas ingressarem no movimento ecumênico, assim como posteriormente algumas igrejas pentecostais, fez com que a pneumatologia avançasse de modo mais significativo. Dessa abertura e ampliação do seu diálogo com o judaísmo, podemos perceber, por exemplo, a consideração da mística presença do Espírito em todo o cosmos, que fomenta uma mística ecológica.

IHU On-Line - Que implicações existem em fomentar uma mística ecológica?

Josias da Costa - Uma das implicações é o fato de romper com as bases teológica e antropológica da espiritualidade ocidental, que tende a desprezar o corpo e a natureza. Segundo Moltmann entende, nem nas Escrituras, nem no judaísmo, nem nas origens do cristianismo há esse tipo de desprezo. Era Agostinho quem falava da peregrinação da alma em direção ao além, para que ela se encontre com Deus. Para isso acontecer, emerge a necessidade do abandono de tudo que é terreno. É desse modelo teológico-antropológico que bebe e se alimenta toda a mística medieval. Essa mística da alma reprime o corpo. Fomentar uma mística ecológica implica abandonar, em certa medida, esse modelo teológico-antropológico. A mística ecológica está impregnada de uma visão de mundo em que se destacam os cuidados e a harmonia do ser humano com a natureza. Com isso, também implica recuperar algumas instâncias abandonadas pela razão moderna, pois a experiência mística nasce do desejo, da fantasia e do imaginário, que foram desprezados pela racionalidade moderna. Dessa forma, na mística ecológica estão presentes a simbólica feminina, a ênfase na docilidade amorosa e compreensiva, na emocionalidade e na intuição etc.

IHU On-Line - Existe uma aproximação entre a proposta de Moltmann e da teologia feminista? Em que sentido?

Josias da Costa - Sim. A teologia de Moltmann está em oposição a uma compreensão de Deus do tipo monárquico, soberanamente absoluto e distanciado do mundo e das pessoas. Sua compreensão de Deus é trinitária, pois fala das três pessoas divinas em intensa relação, existindo umas nas outras sem subordinação, de tal modo a garantir a unidade entre elas. Assim, ele nos fala que Deus deve ser entendido sempre na relação, na comunhão. Com essa compreensão, Moltmann demonstra-se contrário às estruturas monárquicas, modelos a partir dos quais se organizaram as sociedades humanas. Em direção semelhante, a teologia feminista reage fortemente contra a visão patriarcal (o poder do pai) postulada pela teologia clássica. A teologia feminista rejeita tal modelo clássico, pois esse sistema de organização social concede privilégios aos homens, fazendo com que mulheres, crianças etc. ocupem posição subordinada. Ou seja, a proposta de Moltmann e a teologia feminista se mostram contrárias a modelos de Deus hierárquicos, subordinacionistas, dominadores, e postulam uma visão de Deus comunitária, igualitária, circular, amorosa, contextual.

http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=18095

Um comentário:

  1. Muito interessante a entrevista. Boa síntese do pensamento de Moltmann. Estive no Encontro em outubro de 2008 no Bennett. De fato, Moltmann deve ser tratado como um referencial teológico. Parabéns ao Blog.

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